cristo brasileiro

Queria propor a vocês um exercício de reflexão sobre o Coronavírus e seus possíveis vilões.

Quero aqui falar apenas a âmbito Brasil e deixar de fora outras questões que, não menos importante, me fogem conhecimento necessário para apontar culpados de EUA, China, mercados molhados e empresas de Biotecnologia.

Penso naqueles que foram o Paciente Zero em suas cidades. Que acabaram de voltar de uma viagem da Itália ou dos EUA e foram direto para o almoço de família. Ou que durante o início do confinamento, fizeram um encontrinho com 15 pessoas. Só que deu ruim.

A primeira coisa que fazemos é julgar, e julgar feio. Apontar o dedo e dizer “Burros. Irresponsáveis. Tomarem que percam alguém da família para aprender. Quem mandou sair?”

Eu poderia, e sinceramente já fiz isso no início da pandemia. Estou com a ficha limpa, aparentemente. Desde que saiu a crise faço minha parte. Saio para comprar comida e quando vou me exercitar vou em horários onde a rua está deserta.  Ninguém da minha família está infectado, não vejo meus pais há um mês apesar de falar com eles todos os dias por telefone. Encontrinhos só por Zoom ou Hangout.

É mais fácil ainda achar os vilões, os primeiros que trouxeram esse vírus para o Brasil, porque ainda são da classe alta, mais fácil ainda colocar uma placa neles. Bando de coxinhas. Foram esquiar em Vail, foram passar sua lua de mel em Veneza, são os riquinhos irresponsáveis. Depois foram para um casamento rega bofe em Trancoso.  Eles vão passar o coronavírus para a empregada, para seus funcionários, e vão se curar no Albert Einstein ou no Sirio Libanês. E quem vai morrer no SUS são as vítimas das Classes C e D que têm que sair todo dia para garantir seu sustento.

Vamos além: vamos achar mais vilões. No meu prédio, há 3 infectados. O pânico se instalou. Todos queriam saber a identidade dos enfermos. Quando foi decretado estado de confinamento em São Paulo, algum morador deu uma festa para umas boas 30 pessoas no salão de festas do meu prédio. Era prudente sim cancelar, mas e o buffet? E o que já pagaram? A festa aconteceu. De lá, ninguém sabe. A SmartFit ficou aberta até academia ser declarada como serviço não essencial. Quantos foram infectados lá dentro?

A Biogen, uma das maiores empresas de biotecnologia dos EUA, foi responsável por inúmeros clusters de infecção do Coronavírus por permitir uma convenção gigantesca com integrantes de vários países onde o vírus já não era boato e sim realidade. De lá, seus executivos já doentes e carregando um inimigo invisível lotaram aviões em diferentes cidades para voltar para suas famílias.

A DisneyWorld deixou seus parques abertos ainda em março, os cultos religiosos continuaram a acontecer, até que o vírus acometeu seus fiéis. Em um coral dos EUA, 42 de 60 presentes foram infectados com várias mortes.

Vamos falar mal de toda aquela turma que foi num casamento da irmã de uma influencer. Vamos julgar e apedrejar aquele neto que infectou seu avô acabou sucumbindo ao vírus.

Daí eu te pergunto: você teria feito diferente? Naquela janela de tempo entre os primeiros confirmados no Brasil e hoje, onde há um espaço crucial.

Eu digo, com toda minha ficha limpa, que talvez eu não teria feito nada diferente. E provavelmente, você também. Então vamos baixar um pouco esse bico.

Aliás, quando o vírus estava pegando na China e os primeiros casos foram confirmados na Europa, lembro que final de fevereiro, uma querida amiga minha voltou de uma viagem para sua Itália natal, de uma cidade do meio do país, por sorte não exatamente no epicentro em Lombardia. Ela não é riquinha longe disso. Ganha seu dinheiro com seu esforço como qualquer trabalhador honesto. Não foi esquiar nem se hospedou no Ritz. Ela foi para o aniversario de seu pai de 80 anos e voltou. Não foi testada, ninguém a abordou no aeroporto , e no mesmo dia encontrou-se comigo e com mais umas 5 amigas. Provamos as mesmas bebidas, nos abraçamos como os amigos fazem. No final de semana, todas nós nos encontramos com amigos, fomos ao cinema, encontramos nossos pais.

Em 10 dias, foram confirmados os primeiros casos no Brasil. Não da nossa turma, mas poderia ter sido, não é?

Quando o caldo derrama, é fácil apontar os culpados. Mas lembre-se que até há pouco tempo atrás, ninguém nos aeroportos aconselhavam as pessoas vindas de áreas infestadas a fazerem a quarentena (apenas quando a situação já estava fora de controle). Será mesmo que aquele neto queria a morte do avô? (porque a maioria dos netos quando estão cagando para os avós nem querem perder o tempo de se encontrarem pessoalmente). Será que aquela pessoa que carregou o vírus pra Bahia naquele casamento dos sonhos está rindo agora da desgraça que causou?

Eu e vocês não. Então, porque eles seriam diferente? Porque nessa janela mortal entre o possível e o comprovado, foram para fora e voltaram para seus compromissos sociais. Mais justo chamá-los de azarados, porque sim, estarão carregando uma culpa que sabe lá, são deles mesmo?

Bom, agora existem vilões? Existem sim. Agora que temos quase 2 mil mortos e inúmeros casos, é impossível não saber ou não ter dimensão dessa catástrofe iminente. Não se salva ninguém.  Não se salva ninguém que viva numa grande cidade mas que diz que é miserável ou desinformado demais para saber (conheço 3 moradores de comunidades e todos sim, estão isolados e têm noção do perigo). Claro que excluiremos aí os de extrema pobreza, mas sabemos que os irresponsáveis estão em outra turma.

Infelismente, também não se salvam as pessoas teimosas (e tenho algumas muito próximas) que insistem em sair na rua simplesmente porque estão entediados. Meus pais de mais de 75 anos acho que finalmente aprenderam a lição e sossegaram o rabo por enquanto. Um conhecido muito amigo deles morreu esta semana de Coronavírus. Morreu sozinho, sem enterro digno e sufocado numa cama de hospital. Uma ótima pessoa, tinha 54 anos. Foi cumprir seu dever numa Feira de Revestimentos em Março e de lá deve ter saído infectado.

Não  tem perdão aqueles que ainda fazem encontrinhos de 10 ou mais pessoas. Meu amigo viu recentemente a Vila Madalena apinhada de pessoas na rua, em bares clandestinos, em rodinhas de cerveja, da varanda dele. Se eles só se infectassem entre si, ok. Mas eles infectam as estações de metrô, infectam pessoas do seu prédio, e pior, se tiverem que irem para o hospital, vão tirar o lugar de alguma pessoa que não teve nenhuma culpa ao ser infectado. Um porteiro, uma infermeira que estava fazendo seu trabalho.

Deus permita que na próxima pandemia tenhamos um chip implantado em cada pessoa e que todos os casos fatais ligados a sua desobediência sejam rastreados e exibidos na sua testa como um placar de assassino. Infelismente, a culpa ainda é um motor de prevenção poderoso.

Mas quero fechar essa reflexão com um olhar positivo. Tem heróis, tem esperança. No meu bairro, as ruas estão vazias. Começamos ao mesmo tempo que os EUA mas nossa curva está bem menor. Tenho amigas médicas que deixaram seus filhos com alguém e estão trabalhando, na luta por um final comum a todos. Os executivos vão receber 50 a 70% a menos de salario, seus bônus serão suspensos. Grandes empresas estão fazendo aportes gigantescos para ajudar o mundo a passar pela crise.

Tenho uma grande amiga que está há um mês sem ver seu filho. Ela vai para o hospital cuidar dos doentes e ainda exposta a um enorme risco. Ela e todos seus companheiros médicos.

Se você puder, fique em casa. Compre só o necessário (até porque o entregador está se expondo) pelo menos nesse período de pico da doença. Deixe o transporte público para quem realmente precisa trabalhar. Faça compra para seus pais, ajude seus vizinhos incapazes ou infectados para que não precisem sair de casa. Se o Brasil vencer essa crise com menos mortos e infectados, somos um país de terceiro mundo que deram um pau nas nações mais ricas e que Deus sim é Brasileiro.