Hoje eu vi o céu e lembrei de você.

O céu parecia uma festa. Teve chuva, sol, chuva de novo, e o céu estava com aquelas nuvens de algodão doce, quase artificiais. Faz tempo que não via cores assim. Algo de chamar a atenção, de não ter como não comentar.

Será que em algum pedaço do universo, você está admirando esse céu? Será que você , onde estiver, se lembra de mim?

Assisti um filme indie muito lindo, Aftersun. Acho que você iria gostar, apesar de ser filme europeu, daqueles meio minimalistas, um pouco lento. Nele, a filha diz para o jovem pai que gosta da idéia de estarmos sobre o mesmo céu. Que remete que sempre estaremos juntos, e sob algo muito maior do que nós.

Esta semana, passei por uma cirurgia, que apesar de simples, exigia uma anestesia geral, e claro, assinatura de termos de responsabilidade e risco do hospital.

Foram 24 horas onde revivi seu drama, me senti como você se sentiu no hospital, com a solidão de quem está com medo ou raiva do diagnóstico impreciso, do atraso dos exames, da demora e inconclusão dos médicos, aqueles que achávamos que iam nos curar.

Me vi fazendo as mesmas atitudes insanas que você nos seus momentos finais, discutindo com enfermeiras, me enfezando por demoras, querendo burlar a grade da cama para ir sozinha ao banheiro.

Será que antes de partir para sempre, em seus últimos momentos lúcidos, onde podia nos ouvir e nos enxergar, você sabia o que ia acontecer? Que não ia mais nos ver, não ia mais olhar céus azuis, cinzas, cor de algodão doce?

Eu tentei imaginar o que você queria absorver nos seus últimos instantes. Se era a lembrança de nossa mãe, de seus filhos, de sua infância, seu nome.

Eu sempre achei que gostaria de ver o por do sol nos meus últimos instantes, mas agora é muito claro para mim, como gostaria de ver rostos conhecidos e reconfortantes no meu último suspiro, dizendo que tudo iria ficar bem.

Você sempre foi ateu, mas admitiu que errou na sua escolha, pois a religião acalenta os últimos momentos.

Estou buscando a minha. Tenho certeza que tudo não acaba em nossos últimos suspiros aqui na terra.

Sinto sua presença diariamente, nos meus erros, escolhas, acertos e vitórias. Sinto que mesmo com sua partida física, você continuará comigo até o final dos meus dias aqui.

Eu disse para uma conhecida minha que a partida de quem a gente mais ama dói absurdamente na hora. E depois a dor não vai embora, não vou mentir. Mas ela se transforma.  Em algo muito bonito.

Tem dias que não sinto um pingo de tristeza, só alegria. Gratidão por ter tido a oportunidade de ser sua filha. Trocaria toda a beleza  e fortuna de pessoas que tem mais do que eu, por ser sua filha. E como rimos. De todos os momentos .

Agora tem dias que o coração aperta demais, parece que vai explodir.

A dúvida (e mais a certeza) que nunca vamos experimentar de novo o amor genuíno que você me proporcionou. O amor do orgulho de pai para filha, da responsabilidade de formar meu caráter, da preocupação e zelo por meu bem estar e crescimento. Do carinho incondicional por ser sua filha.

O que posso dizer de reconfortante é que ele não acabou. Ele vai comigo até o fim de minha vida. E quem eu cruzar pela frente e puder compartilhar a mensagem que ter o pai que eu tive é a maior gratidão que pode se ter numa vida, que eu pelo menos possa inspirar pessoas.

Quem tiver pais e mães vivos, e que eles tenham sido tão amorosos e dedicados como os meus foram, que abracem mil vezes, que troquem mil presentes (mimos sim devem ser dados), que criem milhões de memórias. No final, é o que mais importa dessa vida.

Eu encerro essa carta aberta de novo declarando o meu eterno amor por ti. Obrigada por me trazer ao mundo e me ensinar como a vida é bela e deve ser vivida ao máximo.