Me lembrei outro dia do filme “Como ela consegue” , estrelado pela Sarah Jessica Parker (a Carrie da série Sex and the City).

Não o assisti, mas já tive preguiça lendo o enredo: a mulher moderna que batalha entre a jornada de trabalho, a criação dos filhos, o cuidado com o marido e a casa.

Não desejo isso para ninguém, nem para inimigos. Por quê?

Há uma certa toxidade em demonstrar nas redes sociais que seu dia é muito ocupado e produtivo. Isso virou uma modinha até no meu círculo de amizades:

“quero ser herdeira”

“vamos guerrear mais um dia”

“queria sua vida boa” para quem está viajando

As influencers tudo adoram contar como seu dia foi cheio, tarefas realizadas, que não páram de trabalhar.

Essa auto afirmação de trabalho, stress, burnout, o que seja, porque não guardam para si? Porque querem ostentar a todo momento em suas redes sociais, como se fosse o unboxing de uma bolsa Gucci? E não apenas de influencers, mas de várias amigas minhas? Eis a questão.

E sem querer jogar pedras, mas conheço muita gente que posta isso no Instagram, mas a verdade é que teve uma vida leve até seus 35 anos e agora aprendeu que só o trabalho duro e consistente traz dinheiro. E só falta se intitular como escrava.

Estive conversando sobre esse tema com amigas minhas, que possuem um padrão muito parecido com o meu. Batalhamos real desde nossa adolescência para construir um patrimônio e hoje, nos nossos quarenta e tantos anos, podemos desfrutar de uma rotina mais prazerosa com menos trabalho.

Quem me conhece sabe: eu sempre tive a fama de muquirana, pois via a chance de em meus 20 a 40 anos, poupar o máximo possível para usufruir cedo. Não foi de graça. Enquanto amigas minhas estavam fazendo intercâmbios pegando todos os boys magias estrangeiros, comprando jóias e roupas que não estavam na promoção, eu contava até o cafezinho da Starbucks, que não tomava todo dia para economizar.

Claro, não tive uma juventude paupérrima, me diverti, viajei. Mas eu sabia que se não economizasse pelo menos 30% do meu salário , meu porquinho estaria hoje bem magrinho. Talvez eu poderia ter estendido a minha viagem de réveillon de 2012, talvez eu podia ter feito um intercambio mais jovem, talvez eu podia ter me vestido melhor e ter ido ao cabelereiro toda semana. Escolhas. Talvez quem fez isso fez bem feito, e está feliz por na sua juventude ter apreciado o que fez.

Não menosprezo a batalha de ninguém, afinal foi uma feliz combinação de disciplina, trabalho,  economia, investimentos e também porque não, uma dose de sorte para que nos livrássemos da rotina de CLTs e pudéssemos trabalhar por job, por consultorias espaçadas.

Mas demoramos uns bons anos para finalmente nos libertar do preconceito velado de vagabundagem, ociosidade, herdeirinha, que as pessoas próximas de nós (amigas e não tão amigas, parentes) vem nos rotular.

Eu por exemplo, tenho de 2 a 3 clientes mensais de minha consultoria, trabalho como voluntária de uma ONG para empoderar jovens meninas a independência financeira, cuido de minhas próprias finanças , mas não me vejo postando diariamente minha rotina. Sim, eu tenho um dia a dia mais tranquilo, posso ir dar uma olhadinha nas lojas e supermercados , fazer uma corridinha no meio do dia, posso viajar de 2 a 3 vezes por mês sem a neura de levar laptops para reuniões improdutivas ou para fazer média.

E quando estava trabalhando de segunda a sábado em rotina de mais de 10 horas diárias, não ficava postando guerreira, batalhadora, a sofredora. Era uma fase para ganhar dinheiro e poupar, e estava tudo bem. Logicamente postava sobre a empresa, para fazer uma publicidade gratuita e quem sabe uns clientes novos, mas não para amostrar minha rotina na época árdua.

Minha amiga trabalhou desde os 15 anos, e aos 45 havia acumulado um patrimônio considerável para poder viver de renda passiva. Se desinteressou completamente pela área que sempre atuou, vendeu sua empresa. Enquanto amigas de nossa idade estavam batalhando via CLT para pagar seus alugueis, ela se via entre o dilema de continuar produtiva economicamente para se sentir incluída na roda de conversa, ou usufruir do que havia conquistado.

Tem uma diretora de educação que vai se aposentar agora, depois de décadas trabalhando arduamente em vários empregos, poupando muito e gastando com parcimônia. Ela fez sua primeira viagem internacional agora, e teve que esconder de suas redes sociais para não ser julgada de fútil, desonesta ou herdeira.

Parece conversa de mulher branca e coxinha, mas bancar e peitar o estilo de vida mais confortável que conquistamos perante tantas outras que ainda tem que camelar, não é fácil.

Isso sim gera inveja, comentários pejorativos, e por parte de algumas pessoas até tentativas de extorsão.

Creio que hoje, estamos ajustando nossa rotina de semi aposentadas, e realmente nos protegendo de olhares maliciosos e não bem vindos, mas sim, cientes que merecemos essa tranquilidade e esse desfrute da vida.

Outras colegas que tiveram filhos e tem sim uma vida corrida, porque criar filho é um trabalho imenso, nos chamam de ociosas e preguiçosas, como se tivéssemos que criar sarna para nos coçar.

Acho terrível isso. É uma competição desnecessária , onde não procuramos o bem estar da outra, mas sim que as outras tenham o mesmo calvário que temos pelas nossas escolhas.

E as mulheres estão finalmente percebendo que não é negócio para elas fazerem tudo e mais um pouco. Morrer mais cedo, cheias de doenças e dores, porque querem abraçar tudo, não é inteligente, pelo contrário, uma tolice por vezes gerada pelo orgulho de serem mulheres maravilhas.

Vejam bem, não estou falando de mulheres que tiveram que serem mães solteiras, cujos parceiros as largaram, e sim, tiveram que ser mães e pais de uma criança, trabalhar para o sustento delas. Elas não tiveram opção.

Estou falando de mulheres de classes privilegiadas que optam por serem mães, não abrem mão de seus empregos em tempo integral, e ainda por cima tem que cuidar da casa e da criação dos filhos, porque como já disse em um texto anterior, somos uma geração entre safras e ainda impera sim (pelo menos no Brasil e America Latina) o estereótipo que a mulher tem que buscar o filho na escola, fazer as compras, cuidar da casa limpa, fazer a janta e ainda por cima ter o trabalho integral remunerado. Exceções existem, mas são exceções. As amigas da minha idade, quase todas elas, tiveram que optar entre a carreira ou a família. Quem escolheu as 2, tem jornada dupla e muitos problemas de saúde, pois os maridos não a acompanham nas tarefas domésticas.

Isso não deveria ser exemplo a ser seguido e sim, apenas um exemplo, uma escolha de vida, ou no pior e na grande maioria dos casos, o rumo que a vida deu. Eu particularmente não gosto desse exemplo, mas não crucifixo quem o escolhe por opção.Tenho amigas que já possuem dinheiro de sobra para não precisar trabalhar mais, mas elas querem. Um cargo de liderança, uma diretoria, uma presidência de empresa, mudar o mundo. E são justamente elas que não fazem propaganda de si nas redes sociais nem se vangloriam diminuindo os outros.

Eu começo o ano de 2024 desejando que vocês tenham uma rotina do jeito que quiserem ter: seja trabalhando 24 horas por dia se for de seu agrado ou necessidade, ou seja desfrutando de maneira mais tranquila se você a conquistou. Sem julgamentos. Beijo no coração.