
Depois da morte de meu querido pai, ficou um vazio enorme em nossa família. Especialmente para minha mãe, pois o que fazer nos finais de semana onde antes íamos fazer compras de supermercado no Carrefour, comprar guloseimas na padaria, programar viagens para hotéis fazenda (mesmo a contragosto de meu pai, que preferia ficar no conforto de sua casa)?
Além da dor eterna do luto, ainda tem a dor de não termos mais aquela rotina maravilhosa e simples que tínhamos.
Como tínhamos uma vida bem familiar, minha mãe pouco se dedicou a amizades. E agora, aos 80 anos, está se deparando com algo que afetará a todos nós um dia: a solidão da terceira idade. Ela não é um ser muito social, mas está vendo agora que é bom ter laços de amizades.
Sem amigas próximas para um café da tarde, um almoço semanal, ela achou um grupo de excursões focadas em viagens rodoviárias, cujos clientes são em sua maioria: senhorinhas. Senhorinhas japonesas de cabelos branquinhos e acajus, algumas com seu marido, outras em amigas (muitas!) e algumas em viagem solo porque ficaram para a titia como eu, ou porque perderam seus cônjuges.
A média é de 70 a 80 anos de idade, mas tem algum eventual casal mais jovem na faixa dos 60 anos e algumas senhorinhas de mais de 90 (com pique de 60!).
Sem viagem marcada com amigas, resolvi me embrenhar na excursão de senhorinhas com minha mãe. Para esforçar ela a fazer amizades, peguei um quarto separado, e ela dividiu o quarto dela com outra senhora de 82 anos , e deu muita sorte. Uma senhora de enorme simpatia e coração, sempre de bom humor e cabeça boa , para cima.
Partimos de São Paulo da estação da Liberdade numa quinta às 07 da manhã (sim, as senhorinhas acordam cedo! Sempre!) e com o ônibus lotado, partimos rumo a São Lourenço, uma cidade do sul de Minas com estâncias hidrominerais.
Uma parada para café da manhã, outra para um xixi rápido e chegamos em São Lourenço após 6 horas de viagem. O Hotel Metrópole é um mini resort localizado em pleno centro da cidade e a poucos passos do Parque das Águas, onde tem as famosas fontes, e com pensão completa inclusa. A comida não tem nada de elaborada, mas é caseira e gostosa. Vi senhorinhas (eu inclusa) fazendo pratão de pedreiro.
Deu para almoçar gostoso, tirar e esticar todas as roupas da mala (senhorinhas fazem isso, e eu inclusa), dar uma rápida reconhecida no hotel, e partimos num trenzinho que vai a 10 km por hora (incluso com animação de Homem Aranha da Shopee) para conhecer a cidade, que é minúscula e parada famosa na lojinha superfaturada que tem parceria com a operadora de turismo. Voltamos todas as senhorinhas (eu inclusa) lotadas de sacolas de queijos, requeijão fresco, pingas artesanais(porque não) e muitos docinhos. Banho, jantar e bingo.
Essa foi a nossa rotina de todos os dias até domingo: acordar bem cedo para um café da manhã reforçado, passeio matinal (um dia fomos para Caxambu e Baependi, em outro fomos fazer o passeio de Maria Fumaça até Soledade de Minas), almoço no hotel, tarde livre (geralmente íamos ver lojinhas, que estão espalhadas pela cidade) , bingo de tarde, bingo de noite, jantar e algum baile da saudade no final da noite. Mas hey, teve até cover digna do Bee Gees no último dia!
Confesso que no primeiro dia me deu uma certa depressão vendo o tiozinho de homem aranha esquálido do trenzinho, as tiazinhas cantando lança perfume com palminhas, e aquele baile da saudade a noite.
Lembro de meus 20 e pouco anos, que era uma xoven descolada e ficaria com vergonha de estar nesse grupo de velhinhas, enquanto meninas de minha idade estavam nos lugares mais badalados, com gente linda e xóven.
Não vou mentir que passou pela minha cabeça um pensamento pessimista do tipo: “gente, eu tô no fundo do poço mesmo. Não tive competência para arranjar um programa mais excitante para este feriado”.
Mas… esse sentimento no dia seguinte já tinha se esvaído totalmente. Depois de uma excelente noite de sono , com um café da manhã completo, estava animadíssima para os próximos passeios. E já familiarizada com o grupo: sempre tem umas senhorinhas meio antipáticas, mas no geral, o grupo era muito coeso e acolhedor. E sempre tem as senhorinhas que nos recebem de braços abertos e que achamos que conhecemos há décadas.
Não vou negar: me diverti horrores nos passeios. Achei o trem da Maria Fumaça bem bacana (só minha mãe que não gostou muito, porque soltava muita faísca e fuligem preta). Amei o Parque das Aguas e seu Balneário. Fizemos um Ofuro delicioso, que nos fez flutuar e dormir que nem princesas. A entrada pro parque não é das mais baratas: 20 reais o dia. Mas está muito bem cuidado, e tem uma fonte igual a da Vichy na França, com várias propriedades benéficas à saúde (acreditemos. Mas realmente tem muita gente que visita regularmente lá para encher os galões das águas).
E me esbaldei nas comprinhas. Comprinhas no interior é uma delicia. Você se mata de comprar e no final não gastou mais que 400 reais, o que dá pouco mais de 3 almoços dignos em São Paulo.
Teve espaço para mil guloseimas mineiras (voltei com 5 queijos. Para se ter uma ideía, uma bola inteira de queijo de canastra custou 30 reais). Voltei com uns caramelos de leite deliciosos desses de arrancar obturação dentaria (quanto mais melhor). Teve roupinhas da feirinha de malhas (mas já adianto: tem nada de confecção local. Tudo da China e ainda com etiqueta da Shein. Uma tristeza. Não pelo artigo, mas pelo fim da indústria brasileira). Mas teve coisas bem interessantes, como um Atelier de Cerâmica incrível em Soledade, com uma canadense brasileira que fez trabalhos incríveis em porcelana, belíssimas.
E o bingo? Ah, foi uma diversão só, e ainda ganhei. Um mimo baratinho, mas ganhei. Pela primeira vez na vida.
Mas o mais prazeroso foi conversar com mulheres de 80, 90, 90 e tantos (tantos mesmo!) anos, que estão na ativa, se divertindo e rindo.
Eu conversei bastante com uma senhora que perdeu há 5 anos seu marido e sua filha. E no entanto ela foi uma das pessoas mais doces e serenas da excursão. Ela foi com a irmã e o marido dela, e ficou de boa no grupo. Um dia, foi no Parque, e em vez de ficar pulando de uma atração a outra, sentou num banco à beira do lago, e ficou observando as pessoas locais (que vão muito naquele parque), alguns passarinhos bem afinados, e uma família de miquinhos fazendo graça, e mais uma vez Deus lembrando que é um primor estarmos vivos respirando e vivendo.
E me fez repensar que a gente fica estressado por muito pouco, doente por pessoas que nem nos merecem, e que o momento é agora. E que gente que perdeu muito mais na vida e ainda continua feliz, com sorriso no rosto, e distribuindo simpatia e sabedoria para todos.
Eu brinquei no inicio da excursão para minha mãe que as senhorinhas furavam fila (e elas furam mesmo), tinham pressa porque não tem muito tempo.
Mas elas tem todo o tempo do mundo. Enquanto os xovens passam o feriado em 30 segundos de stories no Instagram, elas fazem 4 dias virarem uma década, um período inesquecível, uma eternidade. Nunca esquecerei dos rostos alegres e esperançosos, e de bem com a vida. Faz tempo que eu não ia em uma viagem onde quase todo mundo estava feliz, se divertindo com o que tinha.
Que venham mais viagens de senhorinhas. Eu me incluo!