
Estes dias, estava conversando com um mocinho e fiquei pela primeira vez em muito tempo com uma certa inveja do que ele tinha.
Não, não era sua juventude, já que ele tinha pelo menos uns 15 anos a menos do que eu.
Estava numa viagem para o sul do Brasil, conheci esse mocinho na pousada que estava hospedada, e batemos um longo papo, como os viajantes solos gostam de fazer.
Ele disse que ia passar o Natal com sua família, na casa da avó, junto com 100 parentes, entre avós, pai, mãe, tias, sobrinhos, primos e agregados. Aquela bagunçada, amigo secreto, fartura de ceia, brincadeiras e lembranças.
Algo que não tenho há algum tempo, devo dizer. Eu amava o Natal. Como criança, uma época mágica, pois até uns 9 anos, acreditei sim no Papai Noel e sonhava em ver ele colocando os presentes na árvore de natal de casa, que minha mãe enfeitava com tanto capricho.
Depois as comemorações em família, sempre na casa de alguma tia, no caso da minha, em Alphaville, numa casa grande, para abrigar todo mundo. Tinha pastel da tia (o melhor do mundo), tinha sashimi fresquinho feito pelo tio, tinha bingo (daquele democrático, que até os mais azarados como eu ganhava algo), tinha memórias.
O dia 24 sempre passava com a minha avó materna, com uma ceia maravilhosa e que até hoje, passados 15 anos de sua morte, ainda lembro de cada alimento, do sabor de coisas que só ela sabia fazer e que nunca mais provarei : seu caranguejo com molho de tomate e alho, sashimi de robalo geladinho e fresquíssimo, bottarga (ova de tainha curada) que meu avô fazia com todo esmero e paciência, pincelando com saquê diariamente para ganhar aquela consistência firme mas não esfarelenta.
Quando nossos avós morrem, é a primeira partida do núcleo familiar. As celebrações ainda acontecem, mas mais por respeito à memoria deles, do que exatamente por vontade dos familiares. Já não tinha o mesmo elo, não tinha a mesma patriarca ou matriarca para nos reunirmos e agradecemos por mais um ano de vida deles.
Quando veio a pandemia, e depois dela, nunca mais tivemos as grandes reuniões de família, até porque minha família apesar de primorosa, nunca foi um exemplo de grude (para o bem e para o mal), e de forma bem japonesa, a respeitar o espaço do outro.
Assim, cada núcleo famíliar foi fazendo seu dia 24 e 25, e com algum esforço, estamos nos últimos anos fazendo um almoço de família, mas sempre em data antecipada, pois os dias de véspera e Natal são com a família mais próxima. O almoço sempre num restaurante, com horário marcado para acabar, pois os tios que ofereciam a casa e faziam a maior parte do trabalho para acontecer, também estão envelhecendo e se aposentando de suas atividades sociais. Justo.
Até a morte de meu querido pai, pelo menos jantávamos em algum lugar no dia 24, e se a família do meu irmão estivesse na cidade, tínhamos quorun para animar minha mãe a organizar um almoço de Natal no dia 25, em casa, sem pressa, sem garçom para anotar a comanda. Porque o que eu mais me lembro nem são as comidinhas da ceia. E sim o pós. Jogávamos tranca, truco, ríamos muito. Meus sobrinhos ainda crianças no nosso colo. Alí tínhamos o senso sim de estarmos conectados como família, e que não estávamos sozinhos no mundo, nem viemos e nem íamos embora sozinhos dele.
Quando seu pai ou sua mãe ou ambos se vão desse plano terreno, daí as reuniões se escasseam cada vez mais, até perder completamente o sentido.
É o que estou passando agora. E algumas amigas da mesma idade também. A não ser as que são mães, e estão fazendo seu próprio núcleo familiar, para nós 40 mais, virou uma dúvida cruel onde passar o dia 24 e 25 de dezembro.
Com minha mãe, este ano, viajarei em pleno dia 24 (preço da passagem muito mais barato) e iremos para um lugar muito mágico para meus pais celebrar a data, na falta daquela energia de núcleo familiar que tínhamos antes.
Em natais anteriores, e que sucederam a morte de meu pai, fizemos a comemoração em hotéis, com amigos, mas nunca mais em casa.
Para mim, foi uma das maiores dores dos meus quarenta anos, junto com a morte de pessoas muito queridas e próximas a mim. Foi a morte de datas que para mim, eram certas de reunião de familiares, certeza de troca de afeto, comunhão.
E em vez de ficarmos chorando sozinhas a beira de uma arvore natalina desmilinguida (não, nem me dei ao trabalho), eu agora vejo como ressignificar essa data. Ela é um feriado de qualquer jeito. Então posso viajar, descansar, ou mesmo comemora-la com amigos queridos.
Estive conversando sobre esse tema com pessoas que também não tem filhos e já perderam seus pais. Partilhamos da mesma dor.
Em alguns anos, alguns amigos queridos nos convidaram para sua ceia natalina com suas famílias. Mas não é a mesma coisa. Nos sentimos um estranho, um coitado acolhido em noite de natal.
Combinamos nos próximos Natais de fazer o natal dos solteiros: ou na casa de alguém (duvido) ou um brunch de natal em algum lugar bacana (hotéis de SP já descobriram esse filão e estão oferecendo brunchs memoráveis). Mas a saudade familiar permacene.
Para quem ainda tem esse enorme privilégio de passar os Natais com seus familiares, vá e se esbalde. Não reclame das uvas passas na maionese, na sardinha do Cuscuz Paulista, no abacaxi do bolo, na ameixa do manjar. Vocês só terão a idéia de como isso foi precioso quando não tiverem mais.
A todos , um feliz natal, com muita presença em suas famílias e entes queridos.