
Ultimamente tenho colocado muitos textos sobre viagens e pouco sobre reflexões típicas do pessoal de 40+ como eu.
Realmente tenho tentado evitar escrever sobre isso, até porque a dor é forte quando eu me lembro do que passei em 2022.
Aqui vai um texto muito sentido, e foi difícil de ser produzido. Parei muitas vezes para refletir, e receber a tristeza que senti ao escrevê-lo. Mas é do fundo do coração, e principalmente para as mulheres e homens que passaram dos 40, e provavelmente estão com seus pais, se vivos, na casa dos 70 a 80 anos, é uma dor e ao mesmo tempo um amor muito grande.
Era difícil de eu expressar o amor pelos meus pais quando tinha 20, 30 anos. Sim, eu fui uma criança muito mimada, e imensamente cuidada pelos meus pais.
O que é dado de graça, e abundantemente, a gente não valoriza até começar a faltar. Eita ser humano besta.
Até meus 30 e pouco anos, meus pais eram meus heróis. Meu pai era forte, mais alto do que eu (5 cm ou menos, mas ele fazia questão de dizer), carregava as malas, cuidava das finanças, programava as viagens, dirigia. Ahhhh como ele gostava de dirigir com a família. Viajamos muito pelo interior de São Paulo procurando hotéis fazendas, lagos para pescar (que ele não pescava nada), restaurantes caseiros com comida mineira.
Tinha os poréns, que hoje eu valorizo como formação de caráter e atitude, do que poréns. Ele era rígido com dinheiro, não dava presente à toa, mas de vez em quando, não economizava. Ele me deu os melhores estudos, as melhores escolas, os melhores hotéis em viagens, mas tudo que era supérfluo de adolescente (calças Forum ou Zoomp, tênis New Balance, eu tinha que esperar até o Natal ou ter meu próprio dinheiro). Viagens com amigas, desde que com meu dinheiro, porque pagando do bolso dele, era viagem para desfrutar com a família sim, e criar as tais memórias e álbuns de fotos, que minha mãe sempre fazia. Eventualmente, em algum hotel fazenda, ele autorizava que eu convidasse uma amiga, mais para saber com quem eu tava tendo amizades.
Respeitar os mais velhos, isso sempre. Nos poucos momentos que eu me assustei porque ele virava uma fera, de gritar mesmo, quando a gente ultrapassava a linha de respeito. Lembro que ele disse certa vez que enquanto estivermos sob o teto dele, comendo do que ele esta pagando, é das regras dele. Depois, você faça a vida que quiser com seu dinheiro.
O que no momento me assustou eu vejo como isso é importante, e questiono porque tantos pais não tem a coragem de serem firmes e agressivos quando tem que ser para impor regras, limites e até inspirações para seus filhos.
De pai para filha a dinâmica é diferente de mãe para filha. Eu sei de muito mais coisa de minha mãe do que meu pai, as confidências são diferentes.
Ele gostava de lembrar de assuntos coloquiais de sua infância e adolescência, como gostar muito de carros, das trapalhadas que fez (como ligar a moto e sair esquecendo o amigo que estava fechando o portão e era para ir na garupa dele – evento de sorte do amigo porque ele se esborrachou num acidente feio no mesmo dia que o fez inclusive desistir do desejo de ter motos).
Mas sobre amores, anseios, isso é dele. Tem intimidades que a gente não precisa saber. Eu sei que ele gostava, como bom vaidoso que era, de se arrumar e ir para os bailes de época, e que viajou sozinho pelo mundo antes de conhecer minha mãe.
Existe uma coisa de pai para filha, que quando o ser é iluminado como meu pai, e outro ser é abençoado como a filha que fui dele, do pai compreender que um papel grandioso de pai é cuidar da filha como se ela fosse uma princesa, mas prepara-la para o mundo como uma guerreira.
Eu sempre fui a princesinha dele, mas ele sempre me orientou a ganhar meu próprio dinheiro e a não depender de ninguém, nem deles mesmo, por mais que estivessem sempre ao meu lado, prontos para nos ajudar.
Para a galera dos 40 anos como eu, que tem ou tiveram o privilégio de verem seus pais envelhecendo ao mesmo tempo que você amadurecia, é um misto de sentimento azedo e doce.
Existe a tristeza ali de ver seus pais diminuindo de tamanho, sendo mais frágeis fisicamente, se esquecendo das coisas e daí começando a inverter os papéis. Quem dirigia na família não era mais ele, mas sim meu irmão ou mesmo eu (meu pai, tadinho, acho que não confiava muito nos meus dotes de motorista, e segurava no puta que o pariu o tempo todo que andava comigo), quem programava as viagens e contas não era mais eles, e nós, os filhos.
Claro que eles construíram um patrimônio com muito trabalho e economia, e tivemos o privilégio de poder contar com isso nos meses mais difíceis, como internações intermináveis de hospitais. Sei que a grande maioria não consegue fazer isso no final da vida, e dependem dos filhos para pagar (ou do governo, o que é pior), mas meu pai foi uma minoria da minoria que nos proveu muito mais conforto do que necessidade.
E daí o amor muda e cresce. A figura do pai provedor e o papa corleone da família ainda permanece entre nós, mas na prática é um amor diferente, de troca. De querer voltar no tempo e ter mais tempo de conversa qualitativa com eles, de saber mais sobre eles, de saber o que eles são de verdade, além de pais.
E que no final eles estavam certos de tudo: levem um casaco que pode esfriar. Não voltem sozinhas para casa de noite. Cuidado que bofe bonito geralmente é burro. Nem tudo ainda a gente ouve, mas sabe que é verdade.
Este ano eu considero o primeiro dia dos pais sem ele. No ano passado, foi tão recente a data de quando ele partiu que nem percebemos.
E como fica um dia dos pais quem o pai que você ama? Vou te dizer.
Não fico com raiva das propagandas de dia dos pais. Antes talvez, agora não mais. Porque o pai você sempre terá. Talvez não aqui na terra, mas enquanto você estiver vivo, com certeza. Ele estará em seus passos, suas atitudes, celebrando, julgando (porque né, é pai), orientando, se preocupando. Não há grandes diferenças. Vamos comemorar em um bom restaurante do mesmo jeito, lembrando em todos os momentos como ele era divertido e pedia sempre um chorinho a mais de vodka.
Fiz uma viagem recente com minha mãe e meu sobrinho e lembramos o tempo todo dele. Mas não de nostalgia. Como ele presente conosco, em todos os momentos. Não choramos sempre, lembramos de maneira muito natural, porque ele está conosco. Como diz aquele famoso verso religioso, porque é diferente agora, só porque ele está do outro lado? Não importa a sua religião, ou como você acredita no pós morte. Mesmo se não houver nada depois, o que há e houve entre nós é indissolúvel, é eterno enquanto existirmos nesse mundo.
A todos, um imenso e o melhor dia dos pais para vocês. Quem ainda tem a sorte de ter o seu, leve o papis para comer bem, se embebedar, rir das historias dele contadas pela milésima vez. Quem, como eu, tem ele sempre ao nosso lado, façamos o mesmo, celebrando sermos os filhos de quem somos.