Este final de semana assisti o filme norte americano “Pobres Criaturas” (Poor Things, título original), com a Emma Stone, Mark Ruffalo e o Willem Dafoe.

Esse é daqueles filmes que você não sabe se gostou ou não, tamanha a bizarrice das cenas. É daqueles filmes que passam longe do universo Marvel, de pipoca: é para absorver aos poucos e refletir bastante.

A premissa seria simples: uma releitura de Frankeistein  numa versão feminista. Mas como foi concebido, é de um visual estupendo e original, e cenas que nos deixam desconcertados. Mas não chega a ser  um filme difícil, pelo contrário, é bem agradável, flui bem e cômico, por vezes.

Não sou crítica de cinema por isso não vou dar um relato prolongado do filme.

Coloco aqui ele porque acho pertinente para nosso tempo agora.

A personagem principal é uma criação de um cientista, que a deixou com um corpo de mulher adulta num cérebro de criança recém-nascida. Por isso, ela aprende tudo do zero, incluindo equilíbrio, movimentos físicos, ler e falar, e por fim, os freios de viver em sociedade.

Então para comer, se ela não gosta do alimento, ela cospe na hora, grita quando não tem seus pedidos atendidos, joga o prato no chão para fazer birra .

E mais: tem alma livre para sair zanzando pela vizinhança sem se preocupar de deixar o parceiro inquieto, dança descontroladamente numa pista em frente a desconhecidos, e… faz sexo sem nenhum freio de vergonha ou repúdio social. Ela não se freia, e faz o que lhe der vontade.

Confesso que a prinícipio achei o filme desconcertante, um tanto louco, e fiquei sim contrangida com as cenas tantas de fuco fuco, até porque estava com minhas amigas meio irmãs, e a gente fica constrangida mesmo.

Depois, eu consegui absorver melhor o filme. E vejo como a sociedade ainda não amadureceu muito não.

O filme se passa em 1920. Estamos em 2024.

O filme foi feito no século passado, com cenários exuberantes e fora da realidade, para passar o contexto fantasioso do enredo. Bondinhos retro futuristas que vagam por Lisboa, escadas que não vão a lugar algum, céus e mares ultra coloridos e carregados.

No entanto, nossas atitudes são iguais as pessoas do filme.

Sobre alguns homens que querem subjugar as mulheres: não mudou muito né? Temos sempre o pai que tenta proteger a filha a escondendo do mundo, o cafajeste mulherengo que julga e subjuga a companheira, o marido que é violento com todos e com sua mulher, distorcendo fatos para diminui-la e culpa-la.

SPOILER – se quiser ver o filme com surpresa, não leia a partir de baixo.

Em dado momento do filme, a personagem se encontra com seu antigo marido. Que é um ser terrível, que anda armado, ameaça todos seus funcionários, se diverte com a  desgraça alheia, usa da violência extrema para ganhar todas as discussões. E distorce os fatos de sua companheira para culpa-la ou convence-la de suas ações.

O filme dá um toque exagerado para o marido, mas isso é a vida real, infelizmente. Quantas pessoas terríveis (e digo homens e mulheres) que estão por ai, aparecendo em colunas sociais, tem milhares de seguidores, e são exatamente como o marido do filme? E o pior, temos mulheres se casando, tendo filhos com esse tipo de pessoa, e depois se justificando?

Minhas amigas acham que hoje estamos mais liberais, que não pode ser comparado à época do filme. Será?

Tenho uma grande amiga que agora deu uma guinada de carreira e optou por um caminho completamente diferente de sua carreira corporativa, como coach de relacionamento e massagem tântrica. Será mesmo que seus amigos de décadas, ex colegas de trabalho e escola a acolhem, apoiando em sua decisão e procurando entender mais sobre o assunto? O afastamento foi imediato, e o silêncio, sepulcral.

Ainda nos dias atuais, criticamos a vestimenta de outras pessoas, o comportamento de sua amiga, e se uma prima nossa tem vários parceiros sexuais.

Gostaria muito que num futuro próximo, esse filme fosse feito sem precisar transplantar o cérebro de outra pessoa, num lugar aqui perto de nós, real.

Olha só como poderia ser: uma pessoa como eu, como você, indo morar em outro continente, em outro bairro ou cidade, com pessoas que não nos conhecem e portanto o julgamento delas não nos afeta, onde podemos ser livres e fazer o que bem entender. Ter noites casuais de prazer, sair sozinho pela rua, conhecendo cada esquina do zero. E as eventuais críticas ou repúdios de outras pessoas não iriam nos atingir, pois não temos a bagagem social para nos repreender de nossos atos.

Epa. Acho que estou falando de viajar sozinhos, não é mesmo?

Gostei do filme. Indico e recomendo para altos bate papos regados a café ou bebidinhas depois da sessão com seus melhores amigos.