À Mulherada:

Tenho que dizer uma coisa. Até hoje não entra na minha cabeçona esse mito de homem pagar a conta.

Quase todas as mulheres que conheço, amigas, desconhecidas, conhecidas, acham importantíssimo que o homem pague a conta, pelo menos no primeiro encontro.

Amigas solteiras, descasadas, mães solteiras, mães compartilhadas, vulgo feministas, que ganham o próprio dinheiro e aprenderam a ser independentes financeiramente desde cedo.

Todas, absolutamente todas, se decepcionam quando o boy não insiste para pagar a conta do bar, do restaurante, da balada, o que for.

E daí me dá uma vontade danada de chegar para elas e dizer que feminismo besta é esse que elas pregam? Quer dizer que somos madames ainda, donzelas desprotegidas que querem uma prova de amor do boy? Que podemos ser sustentadas?

Conheço um monte de mulher que se diz independente financeiramente e espiritualmente dos boys, que não precisam deles, que são muito pro caminhãozinho de vários que saíram, mas na hora da conta, se fazem de marias sem braço e olham para o lado.

Muitas se defendem dizendo que mais do que o valor, é uma prova que o boy está interessado em você para um relacionamento amoroso sério. Conversa, minha filha. A maioria só quer te comer mesmo. Aliás, se o boy for esperto e quiser pontuar rapidamente, ele paga a conta.

Outras dizem que se, o caso não for para a frente, pelo menos ganhou o jantar. Pagou a maquiagem, a roupa nova, o Uber. Pobreza, heim?

Acho que já está na hora de discutirmos isso. Mulherada, me dá uma impressão que somos oportunistas, aproveitadoras.

Podemos ser até aproveitadoras dos corpitchos dos boy magia, mas do dinheiro deles?

Vamos lá: eu conheço um boy. Gosto dele. Ele me convida para jantar. Eu me arrumo, ele se arruma. Eu arranjo espaço na agenda, ele também. Só que não temos filhos juntos, e nem compromissos. Ainda. Eu ganho o meu dinheiro. Ele, o dinheiro dele. Porque ele teria que pagar a conta?

Aí vem a enxurrada de respostas:

– Porque daí você não se valoriza

Oiiiiii. Hellooooooo….. lembra que a proporção de mulher tá 10 para 1 homem nas grandes cidades? Lembra que você já não é virgem há muito tempo, sua quenga?

– Porque mostra que o boy não está assim tão interessado em você

Bem, isso é discutível. Já saí com boy que queria pagar a todo custo para me conquistar e era um fofo. Já saí com muitos boys que nem estavam tanto a fim e logo depois sumiram que nem um passe de magica.

– Porque eles ganham bem mais que a gente

Oiiiiii de novo. Já saí com muito boy que ganha menos do que eu. Aliás isso é uma verdade cada vez mais constante nos dias de hoje: a mulher que ganha mais que o homem.

Temos que nos libertar desse estigma, mulherada. Só assim vamos nos igualar aos machos.

Em junho deste ano, o colunista Alexandre Vidal Porto publicou uma crônica muito sábia intitulada de “Porque as mulheres devem dividir a conta do motel”, no Jornal Folha de São Paulo. É, minhas queridas, na hora de protestar contra a violência contra as mulheres todo mundo fala, mas na hora de dividir a conta do motelzão, de repente todas viram mulherzinhas virgens e desprotegidas, cujo total prazer é do garanhão macho e não o seu.

Em Hollywood, tá tendo uma discussão fervida sobre o gender gap, a diferença salarial entre as estrelas e os astros. Porquê a Jennifer Lawrence, estrela da nova geração, de vários filmes de sucesso, tem que ganhar menos como outros de peso equivalentes, porque são homens?

Essa é uma discussão que já teria que ter acontecido há muito tempo, mas precisou de gente como ela para dar maior destaque e apoio. Tá certo que os homens dominam os filmes de ação. Mas em seriados como House of Cards, onde o personagem de Robin Wright tem o mesmo peso de Kevin Spacey? Achei o máximo a atriz bater o pé e dizer que não voltaria a nova temporada da série se não igualassem o salário dela. E conseguiu.

Ela e Lawrence são vistas como mal agradecidas, ruins de se trabalhar, mas estão fomentando uma conquista importantíssima na indústria cinematográfica: temos que lutar pelos nossos direitos. Até de dividir a conta.

Eu saí algumas vezes com um cara super legal, que conheci num pub. Não só ele pagou as contas de nossos encontros, como não aceitava a divisão justa. Toda hora era uma discussão meio chata. Me pegava em casa todas as vezes. Putz, eu sei que parece cuspir no prato, mas depois de um tempo comecei a ter vergonha de mim mesma. É realmente uma delícia ter o boy à disposição, não ter que dirigir ou pegar Uber (eu odeio dirigir) e não mexer no bolso toda vez que ia num restaurante bacana. Mas e a conta psicológica depois?

Eu fui sempre ensinada pelos meus pais a nunca depender de outros, nem aceitar favores financeiros, como jantares e presentes. Sempre pagar a minha parte. Só aceitava de meus pais, e olhe lá. Depois de adulta, minhas contas, meus problemas.

Daí eu pensava: tem contrapartida nisso aí. Que seja, tem que dormir com o boy porque ele te pagou. Tem que ser mais carinhosa com ele, aceitar mais as coisas, porque ele pagou.

Se você tem uma amiga que paga a viagem para você, é difícil vocês terem uma relação de igualdade, mesmo que ela não cobre diretamente. Os programas serão naturalmente os preferidos dela. Os jantares, também nos lugares que ela quiser.

E nunca mais saímos, eu e o boy generoso. Fiquei bodeada com toda essa generosidade, que pode ter sido genuína da parte dele, mas para mim era se render ao gênero donzela que tanto abomino.

Eu gosto disso, gente: gosto de dividir as contas com o boy. É fofo sim quando ele se oferece para pagar a conta, mas não, obrigada. Que tal repensar isso?

Deveríamos parar de pensar que o boy só vai pensar seriamente na gente se pagar as primeiras contas. Deveríamos para de nos gabar para as amigas relatando que o boy pagou a conta do primeiro encontro. Deveríamos parar de olhar para o lado quando vem a conta para pagar. Querem igualdade, meninas? Comecem rachando a conta com o boy. Até do motel.

 

imagem pagar ou não a conta