let it go

Em julho de 2016, fiz minha despedida da minha antiga empresa. Fundada pelo meu pai em 1965, passei 22 anos da minha vida num galpão de Diadema, onde tínhamos o depósito e a administração, assim como loja principal.

Neste dia, fizemos um churrascão na laje, vendemos os móveis remanescentes, e passei pelo refeitório, pelo estoque, pela loja vazia e pelos inúmeros quartinhos, ainda lotados de papéis.

Acho que deveria sentir tristeza, mas não foi. Foi mais melancolia.

Melancolia que as coisas acabam um dia. E tudo que resta está com você. Demos o final do estoque de alimentos para os funcionários, meu irmão levou os brindes e móveis bons para a empresa dele, e tudo acabou.

Quando anunciamos que a empresa ia fechar, várias pessoas chegaram até mim com: “pena”, “que tristeza”. E não tive tristeza ao fechar as portas pela última vez e acionar o alarme.

Chegando em casa, escrevi tudo que vi em minha mente. Porquê deveria ficar triste?

Talvez porquê a partir de agora não teria um salário certo. Um cartão de visitas bonito com uma empresa realmente robusta. Ter funcionários para orientar e liderar. Uma agenda cheia com ações pontuais e com prazos a serem cumpridos. A comida da Dona Vera, que fazia um arroz e feijão como nunca irei mais saborear.

Mas espera aí. Um salário certo, mas vindo de resultados negativos por meses? No final das contas, o empresário tira do bolso. Os funcionários tocam a vida. Compram carros novos. Entram no financiamento da casa.  Mas o meu salário, o meu pró-labore, nos últimos meses, era uma farsa. Eu, como empresária, sabia que era uma farsa.

Não terei funcionários para liderar. Agora é comigo mesma. Se acordar às 13:30 de terça feira, ninguém vai me censurar. Se acordar às 07 para trabalhar, nem para aplaudir. Só eu, eu mesma e Sarah (meu codinome judeu).

A agenda cheia e o cartão de visitas robusto são mais difíceis. Você tem que policiar e criar novos eventos, muito mais do que quando estava em uma empresa grande. Você tem que ir atrás de encontros, networking, reuniões, tarefas a serem feitas, porque senão, sua mané, não terá porque mesmo acordar às 07 para trabalhar em coisa nenhuma.

Cartão de visita também é foda: aquela vaidade besta, mas de certa forma necessária a nós: nos eventos, nos encontros, as pessoas se trocam cartões corporativos. Quando a empresa é conhecida, você ganha auto estima, você vai confiante. Quando é a sua empresa e só você mesma, dá um certo medinho de ir.

Mas depois de 3 anos dessa nova rotina, cá estou eu, ainda viva. Tomo banho todos os dias, acordo as 08 (talvez alguns dias as 09), trabalho pelo menos 6 horas por dia e minha empresa, se ainda não um sucesso, já tem seus clientes. Não dá para ficar milionária, mas dá para pagar as contas e ainda ter perspectivas de novos negócios para um futuro mais brilhante.

E Diadema ficou longe na minha memória.

Fico me perguntando como a gente também se prende a alguma rotina, por automaticamente achar que precisamos continuar nela.

Um namoro bem morno, onde o rapaz é atencioso, mas não te ama muito.

Um trabalho onde você tem uma equipe legal, mas não mexe com seus neurônios. E ainda cercado de cobras por todos os lados

Uma amizade onde você tem bons momentos de lazer, mas não confia na pessoa ou não concorda com a ética dela.

Um restaurante que você vai sempre porque o preço é bom e perto de casa, mas nem lembra o que comeu no dia seguinte.

Finais de semana que você vai para o shopping, clube e cinema, quando deveria estar em algum lugar bem distante.

Lembram que eu disse que um dos meus mantras de vida é o botão do FODA-SE? Fiz isso quando fechei a empresa.

A maioria das pessoas têm boa vontade quando te procuram e ficam lamentando pela sua perda, pelo fechamento da sua empresa. Elas não são más, mas muitas vezes as pessoas fazem isso para se engrandecer, não para melhorar seu astral (que bom que não é a minha empresa, né?).

Quando meu pai teve câncer, o pior que aconteceu foram alguns amigos e conhecidos chegarem até ele, e ficarem divagando sobre o câncer, e pior, relembrar os outros que morreram da doença ou definharam. Juro. Não foi um ou dois, foram a maioria. E não eram inimigos, imaginem. Conclusão: meu pai teve um princípio de derrame, de tão nervoso que ficou, e a partir daí teve que se afastar dessas pessoas que não conseguiam controlar o que falavam, ou pedir para calarem a boca, literalmente.

Por isso, minha caras colegas, acho que fazer 40 anos é uma perfeita desculpa, ou marco na vida, milestone, chamem do que quiserem, o momento perfeito para vocês darem uma guinada na vida de vocês.

A vida é muito curta para relacionamentos mornos, finais de semana caído com pessoas idem, trabalhos que tiram sua auto-estima. Liguem o botão de FODA-SE esta vez.

Da antiga empresa, a única saudade mesmo é o feijão da Dona Vera. Pensem comigo. A vida é uma só. Não tem replay nem volta. O que te espera lá fora?