
Em plena madrugada de segunda-feira, fui acordada por um barulho insurdecedor de helicópteros sobrevoando o meu arredor.
O motivo: um incêndio brabo em um prédio de luxo a 100 metros do meu. Prédio novinho, com aptos a partir de 1 milhão de reais, em um dos metros quadrados mais caros de São Paulo, do lado dos Faria Limers.
Às 5 de uma manhã friorenta, moradores apavorados se amontoavam na calçada, entre máscaras de proteção esquecidas, alguns descalços, outros com seus cachorros e gatos no colo e até um com seu cofre a tiracolo.
Em meio ao caos, procuravam saber como o incêndio se deu em um dos últimos andares do prédio. Os rumores começaram a surgir: mau funcionamento de equipamentos elétricos ou curto circuito de fiação, acidentes domésticos (um cigarro no colchão, uma chapinha de cabelo em cima do sofá), briga de casal.
Os primeiros fatos vieram à tona: vários papéis foram queimados na varanda de maneira desordenada, iniciando o fogo. A princípio o morador do apartamento queimado, de mais de 65 anos de idade, disse estar com mais 4 pessoas no momento do incêndio. Queima de arquivo? Ritual de desapego? No final o discurso mudou: o senhor disse estar cercado de bandidos que ameaçavam queimar o prédio. O circuito de vídeo do prédio mostrou: ele estava sozinho no momento do fogo. Nenhum movimento de terceiros suspeitos por ora. Está sendo investigado.
Quando comentei com minhas amigas, foi o primeiro comentário de todas: “também pudera, 65 anos, sozinho, deve ter enlouquecido nesta pandemia”.
Daí, imediatamente elas mudaram o assunto. Pensando na minha cara ao ouvir “tinha que ser, sozinho, solitário morando sozinho tinha que dar nisso”.
Bem, este texto é bem uma exposição dos meus temores de morar sozinha, pra valer. A roupa suja e a lamentação do clichê e preconceito da sociedade dos “home aloners” eu deixo em outro texto.
Quando eu vejo uma notícia dessas eu tenho um frio na espinha sim. De verdade. Como os casados têm aquele frio quando vêem notícias de crimes passionais, de mães que enlouqueceram e mataram o parceiro, os filhos.
Até porque o que tem de amiga minha que está a um milímetro de pedir divórcio e dar a guarda dos filhos, não está no script.
A loucura habita em todos nós.
Me lembro de uma cena que me marcou muito, há mais de 35 anos atrás, quando uma mãe matou os 3 filhos e depois se suicidou, que estudavam na mesma escola que eu. Todos ficaram chocados. A mãe era normal, os filhos eram gentis, o pai idem. Minha mãe recortou o jornal e ficou em agonia lendo a noticia durante 2 semanas inteiras.
A agonia dela além do crime hediondo, era pensar: eu poderia fazer isso algum dia? Sabe-se lá o que se passou na cabeça dessa mãe: algum motivo trivial, uma traição, ou um curto circuito cerebral. Minha mãe, a que mais amo e a que mais ama seus filhos, como poderia fazer um ato desses? Talvez não. Talvez sim. A outra fez. Outras tantas também.
Bom, somos todos humanos, não é mesmo? Temos nossas fraquezas, nossos temores, e nossos ímpetos. Todos nós podemos ser acometidos por um momento de loucura em dado momento?
Eu sinto medo às vezes de mim mesma, em poucos momentos, morando sozinha.
Quando você mora sozinha, é você com você mesma.
Por mais que eu interaja com meus pais, com meus amigos, fornecedores de trabalho e conhecidos, quase diariamente, se um dia eu bater a cabeça na quina da pia e morrer, só vão me procurar depois de 3, 5 dias.
Os meus momentos de solidão, de pânico (que não foram poucos devo confessar nessa época de pandemia) são só meus. A gente pode até exteriorizar em piadas, no Instagram, mas no fundo, isso fica com a gente.
Quando se mora com alguém, seja família, filhos ou companheiro, você se policia e policia o outro. Se um dia você acordou com uma veia estourada no olho, se você está com um aspecto ruim, se está com o cabelo sem lavar há uns bons dias (e tem gente que são semanas).
Num momento onde confinamento é necessário, você pode acabar trocando o dia pela noite, o final de semana pelo dia útil, o pijama vira roupa onipresente, você pode acabar comendo Doritos a semana inteira.
E quando pode ter a faísca da loucura, como foi acometida essa mãe de 35 anos atrás, esse senhor que por algum motivo desconhecido ateou fogo em papéis colocando a sua vida e de tantos outros em risco?
Realmente dá um medo tremendo essa raça que é a humana.
Eu acho que a disciplina e rotina são nossos aliados. Acordar no mesmo horário (de preferência não as 2 da tarde), se vestir como se fosse sair na rua, escovar os dentes 3 a 5 vezes por dia, tomar banho religiosamente todo dia, conversar com uma pessoa online pelo menos diariamente, manter mesmo horário de trabalho mesmo que você não precise, é fundamental para nossa sanidade mental.
E por último e o mais importante, manter o elo com as pessoas que você preza. Seja com sua família, com seu amor, com seu crush, com o porteiro do prédio, com seus amigos ou animais. Sem o elo, a loucura está à espreita. Não poupa estado civil nem idade. Cuidemos um dos outros. Bjo no coração.