
Em 2016, escrevi este texto e nunca publiquei no blog. Com a pandemia, vejo muitas amigas minhas tendo que encarar a difícil decisão de fechar seus negócios. São consultorias, consultórios, restaurantes, lojas e bares. Em longas conversas com elas, me lembrei deste texto. Ele tem um sabor doce amargo, que é o fechamento de um ciclo e a entrada em outro.
Em 2016, além de me ver completando os mágicos e temidos 40 anos, também me vi diante de um cenário novo em minha vida profissional: decidimos de comum acordo eu e minha família de fechar nosso negócio de lojas para material de construção, uma decisão bem tomada e racional, visto que a grande maioria dos empresários vende até patrimônio pessoal na esperança de salvar o seu negócio.
No nosso caso, não era nem a questão salvar o negócio. Meu pai teve um câncer em estágio inicial, e graças a Deus conseguiu retirá-lo com uma delicada cirurgia. Os meus irmãos queriam cada um tocar seu próprio negócio. E não vou mentir que o mercado estava bom, porque há anos vínhamos sofrendo concorrência e canibalismo de preços. Então decidimos fechar as portas, pagar todas as rescisões, de cabeça erguida. Ponto Final.
Pela primeira vez em 17 anos (entrei na empresa em 1998), eu não tinha um motivo certo para acordar às 08:00, me vestir apropriadamente, pegar o carro, dirigir até Diadema, almoçar pontualmente às 12:30 no refeitório da empresa, sair 18:00 hs.
Eu não tinha um almoço esperando por mim, um porteiro que abria a porta, pessoas me esperando às 09:00 hs da manhã. Sem obrigações, sem motivações.
Daí me veio um medo abissal: me imaginei de cabelos desgrenhados, de roupa flanelada, que não lava a cara faz 1 semana, com cobertor enrolado no corpo, acordando uma hora da tarde, comendo um pacote de salgadinhos transgordurentos, e assistindo tv o dia inteiro.
Eu sempre trabalhei desde os meus 16 anos, com rotina ininterrupta de segunda a sexta das 09 às 18, pausa de 1 hora para almoço, e nos últimos 15 anos, trabalhos aos sábados também.
De repente, essa rotina acaba. Você não tem hora para acordar, hora para dormir, para almoçar.
O medo de não ter dinheiro não tinha, porque fiz um bom ninho e tenho rendimentos para me sustentar para uma vida confortável (não luxuosa, mas digna) sem novos salários. Mas era justamente essa certeza de conforto que me assustava. Vou virar uma largada, bon-vivant, que nem o Chiquinho Scarpa, claro que com suas devidas proporções?
Conheço gente que vive assim, e não as culpo. O pior são as pessoas, que mesmo com garra e boas intenções, que corroem o patrimônio da família em negócios mal sucedidos, não fecham por puro orgulho. As pessoas que vivem de renda têm um patrimônio, herdado ou próprio, e são inteligentes o bastante para economizar mais do que gastar seus rendimentos. Ponto pra eles.
Mas eu não admito isso para mim. Em parte devo isso a minha mamãe megera (brincadeira, vou falar da importância da implicância dela comigo em outro capítulo), mas eu tenho um certo orgulho em dizer que estou trabalhando e rendendo dinheiro. É difícil eu me apresentar para alguém ou ir em um evento e dizer que não faço nada. Se fosse mãe, teria uma válvula de escape. Mas não é o meu caso.
Então, como precavida que sou e temendo uma tenebrosa fase de eremita vagabunda, agitei meus pauzinhos e quando a minha empresa estava para fechar, já estava abrindo outra.
Uma consultoria pequena, para ajudar as pessoas a montar seu próprio apartamento compacto, sem custos de início, quase como uma brincadeira.
Daí o título deste capítulo: fazer a sua rotina é como nadar peladona no lago.
Digo lago porque ele é finito, você consegue ver a partida e chegada dele. O mar não. Você tem um objetivo, um fim, que é chegar ao final desse lago, e você consegue enxerga-lo.
O outro lado do lago para mim é terminar este livro, fazer acontecer minhas consultorias, ganhar meu próprio dinheiro novamente.
Digo nadar pelada porque seria uma coisa inimaginável para mim. Nado super mal, aprendi com 18 anos e no máximo sei não me afogar. Pelada menos ainda, sou muito discreta e mal fico pelada na academia, quem dirá no lago, em lugares públicos. Porque não é fácil. Não é fácil mesmo. Você não sabe se tem capacidade, desinibição, fôlego ou coragem suficiente.
E você se vê todo dia, sozinha, diante de um lago imenso, só você e ele. Você decide se vai atravessá-lo.
Eu poderia pegar uma cervejinha e uma espreguiçadeira e mandar o lago se foder.
Eu poderia parar no meio do caminho e voltar.
Será que terei a satisfação de chegar até a outra ponta do lago e ver o que alcancei?
Ninguém está te vendo, está te aplaudindo ou julgando. É você com você mesma.
Eu poderia acordar ao meio dia, trabalhar até as 14 hs, e depois flanar pela cidade ou navegar na Internet. Passatempo para mente desocupada não falta, principalmente em São Paulo.
Tem gente que consegue ser mega produtivo em 2 horas e fazer muito mais coisa do que muita gente que fica enrolando 10 horas no escritório.
Mas eu preciso de várias horinhas do dia dedicadas a um trabalho de renda. Pelo menos agora.
Então eu acordo rabugenta todos os dias às 08:00hs (tá, alguns dias acordo 09:00) e tento chegar à ponta do outro lago. Não tem noitada , bebedeira com as amigas, festinha ou evento que me tire dessa rotina.
E mesmo às vezes que a outra ponta do lago não seja tão bonita assim, valeu a pena a travessia.
Não plantei uma árvore ainda (vou fazer) e não tive um filho (esse acho que não vou fazer), mas tenho um livro escrito por mim e do jeito que queria concebê-lo, com todos meus cacoetes de linguagem e meus palavrões (desculpe, mãe).
Eu consegui abrir minha empresa. Ela ainda não é milionária, mas dá para pagar conta e sobrar um pouquinho no final do mês. E olha, saber que estou me virando sem depender do dinheiro guardado, depois do fechamento da minha antiga empresa, me dá um orgulho danado, me dá uma auto estima que nunca teria de outra forma.
Garota, criem seus lagos para atravessá-los, sejam eles quais forem. A vida é muito curta para não ter esses desafios.
Muito legal seu texto e muito empolgante ler sobre os “inícios” da vida! Valeu =)
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Obrigada Pericles!
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