
Dia desses estava numa mesa de restaurante jantando com algumas amigas e avistamos uma mulher, na faixa dos 40 anos, numa mesa próxima, tomando sua taça de vinho e comendo seu prato, sozinha.
A mulher tinha cara e jeito de poderosa: fios lisos impecavelmente alinhados, jóias delicadas, maquiagem discreta, um blazer de linho com caimento perfeito e… o motivo de toda a cobiça e inveja da mulherada… uma bolsa Hermés Birkin caramelo.
Eu gostei da mona. Ela pediu um creme brulée e sorriu quando chegou. Fez festinha interna. Confio em pessoas que fazem festinha quando chega uma comida boa.
Mas a mulherada foi implacável nos comentários.
“Tá jantando sozinha porquê?”
“Deve ser mandona”. “insuportável” “não para de ver o celular”.
Tudo inveja, né migas?
No meu círculo de amigas: a maioria reclama das mulheres chefes. Mas os homens chefes de boa. As mulheres chefes, segundo elas, são invejosas de você, competem, puxam seu tapete, e nunca vão com sua cara. “Odeio chefe mulher”. Detalhe: o problema não são as colegas. O problema é a chefe.
Fiquei pensando se elas têm mesmo razão, afinal são minhas amigas. Será que a mulher para vencer na carreira tem que ser fdp, inescrupulosa, mau caráter?
Fui buscar nas minhas origens as minhas experiências. Antes de virar empresária, trabalhei em 4 empresas, 3 como estagiária e 1 como trainee.
Tive 2 mulheres chefes. Uma experiência incrível, outra nem tanto.
Falemos da experiência ruim primeiro. Nunca nos demos bem. Sempre desconfiei dela, porque era muito simpática no início além da conta. Mas eu representava uma ameaça para ela, pois ela era o braço direito do dono da empresa. No final, eu saí para uma oportunidade melhor, mas não guardo carinho por ela. Nunca brigamos, eu sou do time da paz. Mas que eu não colocaria minha mão no fogo por ela, jamais.
Com outro emprego, foi diferente. A minha chefe era 15 anos mais velha do que eu, e já diretora da área, e eu era o par dela no trabalho, como sua estagiária. Me ensinou absolutamente tudo que sei hoje sobre gráfica, impressão, arquivos, layouts. Me apresentou todos os fornecedores, e quando ganhei mais experiência, me deixou à vontade para comandar reuniões com outras pessoas da empresa e com fornecedores. Me corrigia (varias vezes) quando tinha que me corrigir (afinal eu era junior ainda) e me estimulava a ir pra frente, sem medo de ser feliz. Acho que foi disparado de todas as 4 experiências de trabalho a melhor de todas. Não porque a empresa era uma maravilha. Era um produto complicado, de material para maquinários e sistemas, e nunca entendi muito bem o que fabricávamos. Mas o meu entorno era incrível. Acho que nunca trabalhei tanto como naquela empresa, e não tenho um pingo de ressentimento ou más lembranças. E se tive uma chefe exemplar, posso dizer que foi ela.
Quanto aos chefes homens, tive 2. Um bom e outro ruim também.
Ou seja, na conta final, homens e mulheres empatados.
Então desafio aqui minhas amigas: só eu fui a afortunada ou realmente elas são todas as azaradas que só pegam as porcarias?
Arrisco dizer que não sou a exceção. Eu conheci inúmeras mulheres na minha vida, e conheço pelo menos uma boa dezena de chefes: advogadas partners de grandes escritórios, médicas, empresárias, chefes de redação, diretoras, gerentes seniors.
Algumas só de longe, e algumas grandes amigas. Todas elas, com um grau de ética muito elevado, do bom senso, e do que é certo e errado.
Não tenho amiga fraquinha. Todas são ponta firme e não levam desaforo pra casa. Também não fazem desaforo de graça.
Não podem ser as chefes fdp, invejosas, criminosas que minhas amigas pintam. Talvez uma ou outra, mas todas, a maioria não.
Eu acho que a sociedade, e algumas mulheres (infelizmente várias) já pré-julgam nossa classe.
O homem que vence na vida é o pica, mas mulher que vence na vida é puta ou filha dela.
Eu nunca me esqueço de um acontecimento de vários anos atrás, onde a executiva que trouxe o McDonalds e o Starbucks para o Brasil, Maria Luiza Rodenbeck morreu num acidente de trânsito no Rio de Janeiro. Ela estava em um táxi às 06:50 da manhã.
Discutimos isso na hora do almoço eu, meu pai e meu irmão. A conclusão dos 2: “certamente ela pressionou o taxista para correr e daí chocaram contra o ônibus. Sabe como é, executivona, teve o que pediu”.
Eu nunca me esqueci desse comentário. Eu fui para o Rio inúmeras vezes e todas elas fiquei com o coração na mão com os taxistas de lá. Não sei porque eles fazem isso, porque em São Paulo não é assim. Mas os taxistas cariocas, todos eles, correm que nem uns desgraçados. Eu sempre pedia calma, que não tinha pressa. Mas eles pisavam chumbo no acelerador, cortando as faixas, passando farol vermelho sem ver. Em um carnaval do Rio, indo para a Sapucaí, o motorista deu quase 130 km/ h na pista, em plena via urbana. Tive que gritar para ele desacelerar.
Não estou dizendo de quem era a culpa. Pode ter sido do taxista, pode ter sido da executiva. Mas sem saber dos fatos, meu pai e meu irmão já tiraram sua conclusão. Executiva inescrupulosa, brava, inflexível. E sem um pingo de pena da morte de uma mulher desbravadora, incrível.
Mas se fosse o Lemann, o Diniz, eles estariam em luto. Independente se eles fossem quem tivesse pedido para o motorista correr.
Outro caso: tem uma youtuber que se chama Danielle Noce e teve no ano passado um episódio de cancelamento pesado. Eu não sou fã de nenhum youtuber e nem sou inscrita na plataforma, mas me divirto com os vídeos de viagens dela e de outras blogueiras. No meio de muito conteúdo ruim que paira na Internet, acho os vídeos dela bacanas.
Ela começou como youtuber confeiteira e aos poucos ganhou notoriedade das marcas top como Jaguar e Latam que começaram a patrocinar seu canal. Junto com seu partner, que parece um cara excelente em filmagem, eles ficaram visados como o típico “casal que enriqueceu no youtube”. Estilosos, vestiam só marca top, viajavam na Executiva da Latam e dirigiam seu Jaguar rumo a comunidades locais e preservadas, porque tem que manter um pé na humildade.
Daí um ex funcionário começou a postar “as verdades” por trás dos vídeos. E eles, com o rabo entre as pernas, ficaram dias fora do ar enquanto sofriam ataques de ex admiradores e haters, perdendo inscritos e fãs. No final, fizeram um vídeo apaziguador pedindo desculpas e se posicionando. Mas houve estrago.
Eu fui dar uma espiada no que aconteceu, confesso. Eu ainda tenho aquele lado de ser humano que infelizmente olha para a desgraça do bem sucedido como um alívio (não somos só nós que estamos na merda) mas como sou empresária há anos, sei dos ataques que sofremos justamente porque vencemos um pouco na vida. Eu já tive que despedir inúmeros funcionários que faziam intriga, mentiam, roubavam, e mesmo assim, como “somos a parte forte”, tínhamos que ficar com o rabinho entre as pernas enquanto os ex funcionários riam de nós. Faz parte. O público sempre nos vê como vilões. E mulher então, é a vilã estúpida dos antigos filmes da Disney, má e amarga.
Não estou aqui para defender nenhum youtuber ou personalidade da Internet, não sigo ninguém famoso nas redes sociais. Mas o que vi lá é bem diferente do episódio da Gabriela Pugliesi que esta sim, pela burrice e pela irresponsabilidade de seus atos , merecia ficar no limbo por um bom tempo. Pra sempre eu não sei. Nem estuprador fica no limbo por 5 anos, porque ela teria que ficar?
Eu vi lá um ex funcionário que, desgostoso porque foi demitido, falou várias coisas ruins dos ex patrões. Ele tinha que voltar com equipamento caro no meio da madrugada no centrão de SP. Não pagavam Uber para ele. O cachorro era uma fera e mordeu várias pessoas na produtora (o cachorro aliás é um buldoguinho francês). O marido dela era bacana mas a mulher era o capeta de mandona e gritava com todos.
Eu não sei ele estava falando a verdade ou não. Podia até ser. Mas ele sinceramente lembrava muito alguns de meus ex funcionários que fizeram alguma merda na minha empresa e depois saíram falando mal de mim. Um cara era de extrema confiança nossa, até que nos deparamos com uma denúncia de que ele nos roubava. Mandamos o cara embora de justa causa, e para nós foi o fim de papo. Ele agradeceu a discrição e por isso logo arranjou outro emprego. Não demorou para ele jogar na praça, e inclusive para clientes nossos, que eu era insuportável, que não sabíamos dialogar, que explorávamos ele, éramos desonestos e por isso ele preferiu “sair”da empresa .
Voltando ao caso da youtuber, como a denúncia que o cara fez não foi oficial, ou seja, ele não fez nenhum processo na justiça contra o casal, e jogou apenas na internet, é difícil saber o que ele tem de razão, porque na prática não dá para condenar. Mas os comentários: pior que não era apenas de haters, mas de admiradores do casal que já vestiram a carapuça da Noce como “chefona implacável e cujo dinheiro subiu a cabeça”.
Se esse ex funcionário tiver a razão, a justiça foi feita. Eles perderam vários inscritos e até mudaram o tipo de negócio deles.
Se ele não tiver a razão, que puta sacanagem. Quando eu me lembro desse ex funcionário, penso que ser desprezível que nunca deveria ter nascido. Mas como ele está em posição de desigualdade, ele sempre será o mocinho. É isso que me dá desgosto de empreender no Brasil, mas fica o papo para um próximo post.
De novo, não estou defendendo essa Danielle Noce. Não a conheço. Não ponho a mão no fogo por ela. Mas será que não é mais um caso onde se atiram pedras e ateam fogo na bruxa simplesmente porque alguém falou? E mais irresistível atirar pedras quando a mulher venceu na vida, é magra e veste griffes poderosas?
Eu faço esse texto, e participo de várias comunidades empoderadoras de mulheres. Em todas elas, eu bato na tecla que se o preconceito prevalece, as mulheres nunca ascenderão ao topo. E as poucas que triunfam são queimadas como as pseudo bruxas da inquisição, porque alguém falou, vários escutaram. São mulheres anormais, que colocaram sua carreira acima do marido e da formação de uma família, e deveriam estar em casa pilotando o fogão em vez de uma empresa ou conglomerado.
Parece piada de um porco machista e abusivo, não? Então porque as mulheres ainda dão voz para este discurso que mulheres chefes e bem sucedidas são horríveis?
Se você teve uma chefe ruim, e eu tive também, apague isso da memória e mente limpa para as próximas chefes. Se você já vai com esse mantra de “odeio chefe mulher”, te garanto, pelo menos metade da culpa de uma futura má experiência é sua!
Mulherada, vamos nos unir. Em vez de julgar a bem sucedida da bolsa Hermes vamos brindar com ela o seu sucesso e nos inspirar. Burras seremos nós de comprar o discurso de que a mulher chefe é terrível!