
Quem é quarentona como eu vai se recordar dos velhos tempos (nem tão velhos assim) onde não andávamos com o celular a toda hora e em qualquer lugar.
Vejam bem: a Internet surgiu em 1995, e só depois de alguns anos ficou acessível para celulares e dispositivos móveis.
Como era nossa vida antes da Internet?
Não nos importávamos em levar um celular (que na época era só mesmo para receber chamadas e mensagens) para a balada. Marcavamos em algum ponto de encontro em um horário específico e levávamos menos cano do que hoje.
Nos lugares, prestávamos atenção em nossos amigos, no entorno, nos lugares. O dia parecia render mais.
Se o papo estivesse chato, a companhia sem graça, o serviço ruim, paciência, era o que tinha para o momento.
Para o bem e para o mal, sinto que a tecnologia tomou um pouco do Ser presente em cada um de nós.
Eu chego nos lugares, e todos nós tiramos avidamente o celular da bolsa para registrar o momento, o date, marcar as amigas, mostrar o drink lindo que estamos bebendo, o lugar super instagramavel.
Se a experiência não foi boa, o momento está lindamente registrado.
E com tantas opções de onde ir, com quem ir, a gente acaba não se lembrando de vários momentos.
Sabe aquela listinha de tickar os lugares que você queria conhecer? Quantos deles se tornaram realmente experiências memoráveis e inesquecíveis?
Com a morte de meu pai, minha mente deu uma bugada, e uma abertura imensa.
No final, o que nos resta são os momentos .
No final, ele queria ficar com os filhos, com minha mãe, se recordar dos momentos de sua vida.
O que adianta você fazer 20 viagens por ano se não se lembra de nenhuma delas? De ir naquele restaurante estrelado só para tirar foto dos pratos, de montar um look só para ganhar um like (ou na maior parte das vezes, uma visualização de um crush ausente)?
2022 me trouxe muito amadurecimento, ainda que forçado. Acho que não sou uma pessoa mais agradável do que era antes. Falarei isso em outro post, mas as pessoas tem me irritado bastante. Foi um ano muito, muito triste, mas quantos momentos eternos tive!
Jamais vou esquecer as conversas que tive com meu pai no hospital, algumas de puro riso, outras tão honestas e francas que somente um pai pode dar a uma filha.
Jamais vou esquecer os momentos de ternura e apoio que tive com minha mãe, e agora mais do que nunca, que finalmente entendo e estou presente como filha. Já fui filha ausente, desnaturada, desligada, afinal todos nós somos adolescentes e crianças mimadas um dia.
Qual a diferença entre ser e estar presente?
Você pode estar presente e não viver nenhum momento de verdade. Você pode ter ido a vários encontros de amigos, ido buscar seus pais todo mês, viajar, trabalhar e no entanto não ter coletado nenhum momento memorável ou ter feito alguma diferença na vida de outras pessoas.
Explico: quando levamos nossa vida no automático, vamos a encontros mesmo com pessoas que não nos damos muito bem, levamos pequenos desaforos para casa, vamos em lugares triviais que nem lembramos o que comemos.
Fazemos passeios de viagens por preguiça de ter pesquisado o destino, e no final só temos o Instagram para nos recordar do que estivemos presente.
Encontramos inúmeros amigos e parentes, sem criar um elo com eles, enquanto olhamos avidamente o Instagram e Whatsapp procurando memes e viagens alheias.
A questão não é fazer mega viagens, ou um super evento. Ser presente é sorvir todo o momento, mesmo nos triviais.
Uma das coisas que jamais esquecerei? Minhas idas de domingo ao Carrefour com meus pais, ajudando minha mãe a carregar as compras pesadas, comprando escondido para meu pai os doces e iogurtes que ele tanto gostava antes de adoecer.
As viagens para uns hotéis simples no interior de São Paulo, mas que trouxeram histórias impagáveis com meu pai e meus sobrinhos. Lembro de uma viagem que fizemos por Petrópolis. Era algo grandioso? Não. Cidade para mim bem sem graça. Mas quantos momentos tivemos lá! Casa pseudo mal assombrada, várias partidas de truco e tranca, a viagem sem graça para Itaipava, a primeira vez de meu pai provando sorvete do MacDonalds e adorando, meu sobrinho no chiqueirinho do carro….
Tive também minha redescoberta de viajar sozinha. Que independência legal, meu Deus! De dormir até tarde, ou de acordar para ver o sol nascer, de olhar todos os cardápios de restaurantes para no final fazer um banquete de supermercado, de ser bem atrevida na paquera.
Hoje, quero ser presente , muito mais do que estar presente. Tenho recusado convites para sair de várias pessoas, algumas ainda muito queridas, mas a verdade é que eu mereço esse momento só pensando em mim agora.
Estou saindo menos e pensando, refletindo muito mais.
Não estou triste, embora a tristeza é recorrente agora em minha vida por uma saudade absurda de meu pai aqui no plano físico comigo.
Tô gostando de sair menos, e quando saio, eu presto mais atenção nos lugares e nas pessoas. E com disposição para aproveitar cada conversa, cada momento.
Coisas que geralmente só aprendemos aos quarenta: a vida deve ser vivida e não apenas estar vivida. Beijos no coração de vocês. Que possam aprender isso antes do que eu aprendi.