Para mim, um dos piores tipos de machismo e que tive contato por quase toda minha vida profissional foi aquele machismo velado, que cala e diminui a mulher como um ser inferior,  submisso.

Hoje mesmo, em pleno 2019 e 4  dias após o tal dia das mulheres , me vi numa situação chata e que me levou o sangue à cabeça. Mesmo tendo encerrado as operações de nossa empresa familiar há mais de um ano, eu e meu irmão temos que nos reunir regularmente com advogados para falar de assuntos diversos.

Era uma reunião tensa, para falar de um processo muito difícil, com muitas dúvidas e inquietações por parte minha e do meu irmão. Nosso outro irmão não pode vir, então nos ocupamos de fazer os questionamentos necessários.

Em dado momento, um dos advogados, visivelmente impaciente para encerrar a reunião visto que outros clientes seus já estavam a sua espera em outra sala, questionou de forma estúpida algumas questões que eu havia levantado, dando a entender que eram irrelevantes e sem motivo para extensão.

Talvez em outras épocas, eu, mais jovem e insegura, também mais submissa, teria encerrado o assunto e relevado.  Talvez me sentisse até culpada por fazer papel de boba ou deslocada do assunto.

Mas é 2019 e eu já carrego 42 anos nas costas. E acompanhando um processo, que nem meu pai, nem meus irmãos conseguiram ter algum sucesso. Ou seja, pior que está não fica.

Sem firulas nem grossura como talvez ele merecesse, simplesmente respondi que gostaria sim que todas as questões fossem analisadas,  afinal  todos nós estávamos lá para questionar e levantar possíveis arestas, uma vez que o caso era complexo. Por fim, se ele estava realmente com compromisso , que deixasse a sala para atender seus clientes.

Recomposto, o tal advogado gentilmente se despediu e prometeu cuidar do nosso caso com muita atenção, nos deixando na sala com o outro advogado, que este sim, estava muito mais a par do caso.

Em casa, fiquei realmente com a mente amarga e relembrando casos de machismo velado. Talvez ele não tivesse a coragem de dizer isso para o meu irmão, sendo que o questionamento o qual ele reclamou foi levantado em reunião anterior por ambos. Com 70 anos, ele lembra muito meu pai: um senhor que fez uma carreira profissional brilhante, muito inteligente (por isso que eu, eu mesma, o encontrei num curso de pos graduação e mais tarde e o levei para ser advogado de nossa família). Mas sim, um senhor muito machista e das antigas.

Como meu pai, que também foi um  batalhador e empresário nato, ele tem seus méritos. Mas existe aquela arrogância e machismo dos homens de mais de 60 anos, que viveram em épocas onde era comum sim diminuir as mulheres e terem exemplos de donas de casas submissas e criadas apenas para serem mães de família. Onde mulheres acima de 40 anos e sem filhos são perdidas na vida e dão o rabo para qualquer um.  Onde uma mulher que é bem sucedida na carreira tem que comprar o marido ou é uma infeliz nata.

Trabalhei com meu pai por 20 anos na empresa de nossa família, e embora posso dizer que tive o privilégio de trabalhar com um talento vivaz e insuperável, muitas vezes fui oprimida em reuniões e decisões, claramente por eu ser “a mulherzinha”. Não é o tapa na cara. É algo que considero pior. É o corte na reunião, é o aceite da sua idéia vinda de um homem.

Em outras ocasiões, onde estagiei em diversas empresas inclusive multinacionais, e integrando a diretoria de uma associação de lojistas, o machismo era menos cruel, mais velado, mas nem por isso inexistente.

Em uma delas, onde quase todos os diretores e gerentes eram homens, e a única mulher gerente era alvo de inúmeros comentários maldosos, as mulheres eram vistas como servis as grandes cabeças que regiam a corporação.

Com isso, não estou dizendo que o tal machismo me impediu de fazer coisas ou me destacar em várias áreas. Longe disso. Consegui os estágios e empregos que quis, trabalhei em igualdade com meus irmãos na empresa, ergui com orgulho minha vida financeira .

Mas gostaria que o caminho até aqui tivesse sido mais macio e sem os insultos, por ora estúpidos, por ora sutis. Gostaria que as gerações futuras não passassem pelo que passamos.

Talvez eu tenha amigas que tiveram a sorte de não ter passado por isso, ou por terem auto  estima e voz desde cedo para responder a altura, e devem estar achando esse texto um bando de abobrinha e chororô de mulher fraca.

Acho que elas são tão culpadas quando os homens que praticam este tipo de machismo, porque  cooperam com ele. Acham que a culpa é da mulher fraca se ressentir, e não do cara que pratica o machismo.

Olha, eu assisti uma palestra incrível de um jovem negro que é um super executivo. O racismo que ele sofreu não o impediu de ser um sucesso. Contudo, deixou um gosto amargo. E o fato que alguns conseguem se sobressair sem serem lesados, não quer dizer que devemos aceitar este tipo de comportamento. Seja machismo, homofobia ou racismo. Por isso, em todas suas entrevistas, ele cita fortemente tudo que sofreu.

A gente, mulherada de quarenta anos e mais, precisamos mudar essa nossa cabeça.  A mulherada de 30 menos está a anos luz a nossa frente. Lembro que na época da demissão do jornalista William Waack da Globo, pelo vazamento de um vídeos no qual ele faz comentários racistas, algumas amigas minhas disseram que era uma pena o jornalismo perder um talento daqueles. Mas um homem que era estúpido com seus colegas e subordinados, aquele tipo de patrão da década de 80 que era o “temido, mas incrível”. Eu particularmente não acredito que ele foi demitido pelo comentário em si, mas por um “conjunto de obra”.

Por outro lado, seu colega de profissão Ricardo Boechat deixou um legado incrível, não só pelo seu sucesso profissional, mas pela gentileza com que tratava seus colegas. Ou seja, estupidez ao tratar o próximo não é predicado para talento.  Apenas estávamos acostumadas a aceitar os coices.

Isso a maioria das mulheres 30 menos não aceitam! Elas mudam de emprego, processam, reclamam nas redes sociais, não se calam.

Vejo muita gente reclamando que a nova geração dos millenials está muito mimimi, não sabe trabalhar, não tem profundidade nem responsabilidade, se machuca com qualquer coisa. Discordo em partes. Acho que eles finalmente estão um nível evoluído de nossa geração anterior. Não aceitar estupidez nem humilhações. Se por um lado existe um lado negro que é a falta de respeito para com professores, idosos, etc, por outro o lado opressor agora tem que ter cautela. Essa turma não vai engolir o que engolimos.

Eu mesmo achava que a mulherada reclamando que o dia internacional da mulher tinha virado na verdade uma data comercial hipócrita e quase um dia da secretária, estava além do tom.

Pensando melhor, acho que tem que meter os 2 pés mesmo. Se o patrãozinho provocou uma humilhação no funcionário tem que ser processado mesmo por assédio moral. Dia das mulheres não é para ganhar post bonitinho de Instagram nem de flores, e sim para lembrar que a luta é nossa. Lembrem-se que o dia das mulheres foi criado para homenagear as mulheres que foram mortas numa mina por reivindicarem seus direitos, APESAR de serem mulheres.  Se quiserem aceitar rosas ou menu especial de restaurante, ok. Mas acima de tudo, lutem por mais espaço e igualdade de salários.

Falarei num post futuro do absurdo que ouço por aí de “mulheres que odeiam trabalhar com mulheres”.

Não aceite algum comentário venenoso ou diminutivo nem que seja vindo de seu pai. Aliás, já não aceito isso dele  há algum tempo. Se você então é a cliente, pise mesmo. E se achar melhor, vá procurar outro que pense diferente.

A hora que o machismo, racismo e homofobia for realmente algo de dar vergonha e queimar o filme de figuras públicas, patrões, executivos e ter o poder de falir empresas, daí teremos vencido.  Enquanto isso, é post barato de instagram, meninas.

Funcionarios estúpidos tem que ser afastados. Até mesmo se for o seu, o meu pai. Temos que deixar de comprar de empresas que são coniventes com machismo e diferenças de cargos e salários. E em vez de comentar que a fulana paga para o marido cuidar das crianças, temos que celebrar a conquista dela como nossas.