Quero aqui dividir com vocês um dos grandes prazeres da minha vida. Comer.
Quem tem esse prazer, vai se identificar com algumas partes. A quem não tem, espero que desperte.
Tem um filme japonês, “Tampopo – os brutos também comem spaguetti” de 1985, que fez um relativo sucesso e ganhou alguns prêmios de crítica. Em uma das cenas, “Lamen”, um novato aprende a comer da maneira correta o Lamen, o famoso prato de macarrão ensopado que está fazendo sucesso em São Paulo, em casas especializadas.
A cena é relativamente cômica, com o jovem todo abestalhado e o senhor, todo formal tentando ensinar a forma correta de se apreciar o prato. E me emocionou, porque me lembrou da minha passagem de criança enjoadinha de comida até a gourmet aficionada que sou hoje.
O velho ensina a forma correta de degustar o lamen. Primeiro você aprecia o prato. Aprecia a louça em que é servido, de preferencia um bowl bem fundo, a colher para tomar o caldo. Olha todo o conjunto da obra em sua plenitude, observe os cheiros que exalam da tigela fumegante “aliás, adoro aquela fumacinha que sai dos pratos quentes, que nem história em quadrinhos”.
Observe as gotinhas de gordura que se formam no caldo (sem nojinho, tá? Gordura é vida)
Toque a carne de porco, mexe um pouco com ela.
Tome um pouco do caldo. Coma um nirá. Depois coma um pouco do macarrão. No japão, é normal aspirar a garfada (com os palitinhos), ainda fazendo barulho.
Depois, coma um pedaço da carne. Se tiver ovo, desfaça-o, misturando sua gema sedosa com o caldo vigoroso do lamen.
Isso é o prazer do gourmet. Apreciar a beleza do prato. Da louça onde está servido. Do cheiro. Dos gostos, das texturas novas e reconfortantes.
Louça, aliás é um prazer novo que acrescentei no meu repertorio de prazeres. Tomar chá numa xícara tipo casca de ovo, tão fina e delicada na borda, altera todo o ritual do chá. Comer uma massa carregada de molho de tomate num prato fundo faz toda a diferença.
De comer um ovo cozido em baixa temperatura, com uma camada de creme de trufa, e querer que aquele momento nunca acabe.
De comer um fideuá (espécie de paella só que com macarrão cabelo de anjo em vez de arroz) num restaurante fuleiro de Madrid, e ir às nuvens mesmo sabendo que aquele prato é requentado.
De ir numa lojinha de doces indiano em Londres (uia!) e se surpreender com a delicadeza da massa e da sutileza de sabores.
Esse prazer de comer, coisas boas diferentes, obtive depois de meus 25 anos. Até então, nunca tive muito prazer pela comida. Depois, virou uma obsessão, praticamente um modo de vida. Para mim, viajar, tem uma outra atmosfera de prazer, quando é a possibilidade de testar novos sabores e formas nunca antes degustadas.
Devoro revistas e programas de culinária em busca de novos pratos a serem descobertos.
E tenho um quê de voyeur nesse assunto, viu? Me encanta quando pessoas que não ligam tanto para a comida começam a ter o mesmo prazer que eu ao descobrir um prato incrível, um sabor inesperado de bom.
Lembro que em Bali, me atirei logo no primeiro dia nas barraquinhas de rua e nas pracinhas de alimentação a céu aberto e poluição da rua para um tempeiro a mais.
Minhas amigas médicas ficaram 3 dias comendo só MacDonalds e no HardRock Café. Ok. Cada um com suas manias e seus prazeres.
Eu comi um prato tipico (um delicioso arroz frito coroado por um disco voador – o vulgo ovão frito), peixes de todos os dias, porção de camarão por 5 reais, lagosta escolhida na hora por 20 reais a peça, crustáceos de todas as formas, e estava viva da silva para contar as histórias.
No quarto dia, minhas amigas foram vencidas por sua curiosidade e se juntaram a mim na pracinha, em meio a banquinhos de plástico e papel higiênico num invólucro com formato de abacaxi fazendo as vezes de guardanapo. Coisa fina.
Nos acabamos em um banquete de camarão, peixe, crustáceos a 10 reais por pessoa. E me perguntem se elas voltaram ao MacDonalds até o final da viagem? Nem pensar.
Descobrir novas comidas aliás, é um dos meus passatempos prediletos. Não precisa atravessar o oceano não. Muitas vezes, no seu bairro, você descobre coisas incríveis. Eu moro na Vila Olímpia, em São Paulo. Em meio a inúmeros restaurantes de quilo, descobri um lugarzinho a 200 metros da minha casa, que serve autêntica culinária baiana a preços módicos. Bobó de camarão, baião de dois, moqueca, um acarajé inesquecível, e caranguejos….
Agora, para quem gosta e pode viajar para fora do pais, é uma miscelânea de sabores e descobertas.
Tento ir para a França pelo menos uma vez por ano, para voltar a comer os Moules et Frites (mariscos em molho de vinho branco e creme e fritas perfeitas), o Confit de Canard (Coxa de pato curtida na própria gordura), Calissons (docinhos feitos de confitura de melão e amêndoas prensadas), O Steak Tartare perfeito. E os queijos, ahhhhh os queijos.
Na Itália, provei um nhoque inesquecível regado com molho de queijos e aceto balsâmico reduzido (dou 1000 dólares para quem conseguir reproduzir o mesmo prato para mim), presuntos crus inesquecíveis, o melhor parmeggiano regiano da minha vida, e onde fui introduzida ao maravilhoso mundo das trufas (não me importo que seja manteiga ou azeite, só o cheiro está suficiente). Comi sim o spaguetti milionário onde vem regado apenas com manteiga, e o tio vai raspando a trufa em seu prato. Cada lasquinha raspada que cai sai a bagatela de 10 euros cada. Ui! Doeu no bolso, mas acariciou a minha alma.
Na Turquia, comi o famoso churrasquinho grego, aquele boi no espeto, e repeti, 1, 2 vezes.
No Japão, me acabei com um prato de arroz e unagui. Unagui, para quem não conhece, é enguia, uma espécie de peixe cobra, muito saborosa e bem gordurenta, preparada com um molho adocicado. No Brasil, esse prato não sai por menos de 150 reais. No Japão, comi do lado de um templo fantástico, numa biboca que não cabia mais do que 10 mesas, a 10 dólares.
Na Alemanha, tomei todas as cervejas possíveis. Fui na área de alimentação do maior magazine alemão em Berlim, e saí de lá com 7 cervejas especiais. Tomei todas num espaço de 3 dias. Descobri uma feirinha do lado do hotel que oferecia inúmeros formatos de marzipan. Bolinhas gigantes e macias de marzipan a 2 euros cada.
Em Copenhagen, quase desembolsei a bagatela de 400 dolares por um jantar no Noma, considerado por muitos anos como o melhor restaurante do mundo. Mas lógico que tinha uma espera de 3 meses, então fomos num outro restaurante, quase igual, o MONA, e comemos lá um dos melhores bacalhaus da minha vida.
Nos Estados Unidos, na Filadélfia, parei no mercado da cidade e me deparei com uma loja especializada em donuts. Pedi o de maple syrup (uma cobertura adocicada que parece um mel) com uma fatia crocante de bacon por cima. Sim, isso mesmo. Sou ogra mas sou feliz. E Refiz o pedido mais 2 vezes naquele dia.
Conheço algumas pessoas que não tem um grande prazer por comida. Geralmente são magras, ok. Minha mãe não tem um décimo do prazer que eu tenho pela comida. Não estão nem aí se estão comendo um King Crab e uma Lagosta em Maine ou almoçando uma salada no MacDonalds
Se eu pudesse passar um pouco da alegria que tenho quando descubro uma coisa nova deliciosa, passaria. A vida é muito curta para não curtir todos os sabores que mundo nos oferece gente. Agucem a vida! Tenham prazer em comer.