morte

Eu escrevi um texto sobre a Morte quando tinha 34 anos. Minha avó tinha acabado de falecer e eu estava muito melancólica e com um medo danado de quem seria a próxima vítima. Meus pais. Minhas tias. A morte era algo ainda muito figurativo, muito longe de nossa realidade.

Quando a gente atinge 40, 42 anos, já não é o famoso “estamos na flor da idade”.

Para a maioria que está satisfeita se viver até 80 anos, já foi metade da vida.

Para mim, que quero passar de 100, já foi mais de 1/3. A morte já não é algo imensamente distante, e sim uma figura cada vez mais familiar. Parentes de amigos, nossos parentes, amigos até mais jovens que a gente levados pelo câncer ou por infortúnios da vida.

O meu maior medo ainda é porque é a única coisa da vida que você não pode controlar. O fim dela. O fim você sabe que vai chegar. Mas como e quando, ninguém sabe.

Você pode controlar sua vida para ter o menor risco possível de acabar pobre, sem grana para comer. Você pode controlar sua vida para ter emprego, para ter mais amigos, para ter filhos (biológicos ou adotados).

Mas a morte não. Ela é implacável. Você pode ser o melhor exemplo de saúde da humanidade. Nunca fumou, não vai a baladas, não bebe e come de forma regrada. E pode ter um câncer aos 32 anos. Você pode estar voltando após um jantar com seus amigos e dar de cara com um porsche a 150 km/hora a 3 quarteirões da sua casa.. Ou a caminho para sua lua de mel tão sonhada com o amor da sua vida que acabou de se casar, rumo a Paris e o avião…

Cresci numa casa de Interlagos, e tinha como vizinhos, uma família de italianos, exemplar. Para ver como o câncer não seleciona pessoas; a mãe, uma mulher linda, saudável e de estilo de vida exemplar, foi acometida de um câncer de pulmão, inoperável. Conseguiu viver alguns anos com dignidade e inclusive viver para ver a sua neta nascer. Porém, nos últimos 2 meses de sua vida, o câncer tomou conta. Lembro-me que umas semanas antes de sua morte, ela ligou para nossa casa, para falar com minha mãe. Ao me ouvir, falou de forma amorosa e desesperada. ” A vida é tão preciosa. Ame seus pais, sua família, o dia que você nasce com saúde. Você tem que comemorar cada dia que você nasce e vê o sol, o céu, as pessoas. Ame a vida, Monica. Eu quero que você tenha toda a felicidade do mundo. Um abraço”. Me lembro desta cena com todos os detalhes. Ela, apesar de castigada pela crueldade da doença, tinha um aspecto sereno e tranquilo, e em seu coração, só amor.

 

Eu particularmente acho que os doentes terminais são os seres mais puros que existem, mais até do que crianças ou bebês. Eles estão desprovidos de todos os sentimentos ruins que abrigam nossa vida. Não tem mais a vaidade, o egoísmo, a inveja, a maldade, o desejo do mal ao outro. Todos com os que convivi tinham uma urgência de serem ouvidos, de passarem seus conhecimentos, de tocar nas pessoas queridas, de sorver os últimos instantes de lucidez com dignidade.

O fato de chegar aos 40 anos te faz uma pessoa muito mais madura em relação a alguns assuntos. Ta, em outros a gente parece a mesma retardada de sempre.

Mas o fato de já ter passado por quase mortes, por ter vivenciado a morte esperada e inesperada de pessoas próximas, de ter oportunidades perdidas, faz com que tenhamos a consciência que o que estamos vivendo hoje é precioso demais. As pessoas com quem estamos hoje podem não estar amanhã. Se você adiar uma coisa muito legal que poderia estar fazendo hoje, talvez não consiga fazer outro dia.

Acho esse texto pertinente hoje em tempos de CoronaVirus.  De repente, suas viagens são canceladas. Sua vida se resume ao seu apê de 60 m2 e sua interação consigo mesma, e alguns eventuais encontrinhos online com amigos, crush e parentes.

A gente vive como se guardasse para amanhã, para o ano que vem, daqui a 5 anos.

Guarda para a próxima vez que encontrar o boy e passar a limpo a história.

Guarda para o próximo ano fazer a viagem dos sonhos com sua família.

Guarda para o mês que vem ligar para aquela amiga que ficou distante.

E o próximo? Não sabemos.

Se tem o hoje, faremos o melhor que puder com o hoje.

Bjos no coração e abraços de longe. Se cuidem.