Esta semana soube de uma notícia que me cortou o coração. Eu não a conhecia pessoalmente, só a vi uma vez. Era uma bela senhora de 85 anos, grande confidente de uma amiga minha, morreu repentinamente. Não, não foi de Covid-19. Nem de pneumonia. Ela morreu em sua casa, sozinha.

Apesar de seus 85 anos (ou melhor dizer, graças aos seus 85 anos muito bem vividos), esta senhora tinha um fôlego de mocinha e uma mente afiadíssima. Ainda lecionava, ia ao encontro de suas amigas de idades variadas, promovia a caridade, era o elo de uma família.

Quando começou a pandemia, ela teimou em sair, em continuar com sua vida como sempre foi. Os parentes e filhos, todos muito queridos e responsáveis, e sim antenados com o drama que a Europa passou com morte em larga escala dos idosos, tomaram suas providências , em meio a quase ameaças e temores, e ela se resignou a passar seus dias confinada, por teoricamente pertencer a um grupo altíssimo de risco. Mal sabia ela que seriam seus últimos.

Eu, você, seus amigos, todos nós muito provavelmente estamos segurando nossos pais e avós dentro de casa. Sim, temos a melhor das intenções.  Sim, somos responsáveis. Eu absolutamente amo meus pais e tento evitar o destino terrível que a morte Covid-19 reservou aos idosos da Itália, da Espanha e a muitos brasileiros sem condições de isolamento e a um tratamento decente de saúde.  Morrem sozinhos em um leito frio de hospital, clamando desesperadamente por ar. É uma morte dolorosa e sofrida, e ainda por cima  sem direito a um velório digno.

Eu, por exemplo, já saì aos berros com meus pais, lembrando-os constantemente das mortes horríveis por Covid-19 e da irresponsabilidade deles como cidadãos e como pais. Eles teimavam em sair, em tentar nos convidar para ir à suas casas, e manter as empregadas trabalhando. E ainda hoje, com os casos de infecção por essa maldita doença só aumentando no Brasil, eu sigo controlando meus pais para que não saiam, não saiam, não saiam.

Contudo, a morte desta linda senhora me chocou e me deixou um questionamento:  o controle que fazemos sobre nossos entes mais velhos queridos são um gesto de puro amor ou há um quê (enorme) de egoísmo nisso?

Esta senhora que se foi, ela tinha uma paixão por viver. Seus 85 anos não a impediam de flanar por toda a cidade, conhecer novas pessoas, deixar sua marca, acalentar o coração de várias outras como minha amiga, que ficou inconsolável com sua partida.

Quando os filhos a proibiram de sair, ela entrou em depressão. Privada de seu maior prazer na vida, seu corpo sucumbiu à tristeza e a incerteza total de não poder sair nos próximos meses, talvez até anos. Vai saber quando estaremos livres novamente para sair às ruas?

Penso nos meus pais. Com 82 e 76 anos, esses meses que eles ficam reclusos em casa, quantos meses eles terão a mais? Toc toc toc, 3 vezes na madeira, espero que eles vivam muitos meses e anos, mas por amor, e sobretudo pelo medo, estamos privando nossos velhinhos de poderem aproveitar a vida sendo que não sabemos se daqui a 1 dia, 1 mês eles estarão aqui. Era para pode sair em maio, em junho, talvez agora só em setembro e olhe lá.

Alguns vão dizer: arranjem um jeito de ficar e se divertir em casa.

Outros vão dizer: Anne Frank passou anos escondida , o que são meses para você?

Digo: essa história de confinamento é divertido é válido para alguns, sobretudo para os antissociais e que odeiam a interação humana, e graças a Deus não são a  maioria. Eu adoro ficar sozinha, e me viro com a tecnologia para agendar encontros via Zoom e Hangouts com amigos e parentes. Talvez seu sobrinho esteja amando a pandemia para ficar o dia inteiro no videogame. Talvez a família que vive junto esteja bem, pois estão cozinhando pratos incríveis e se reconectando.

Mas para os idosos que moram sozinhos, a vida não pode ser doce vivendo totalmente confinados.

Talvez eles deveriam ter livre arbítrio para decidir se preferem sair e arriscar até morrerem de falta de ar no hospital. Eles não são burros, eu repito.

Mas pensem que quando éramos adolescentes, e queríamos ficar na rua de madrugada, pegando carona com algum boy desconhecido, viajando com pessoas novas, nossos pais também faziam o mesmo terrorismo da ameaça de perigo iminente.

Eu tinha rodinhas nos pés e um fogo no rabo danado para sair à noite, e minha mãe não dormia enquanto não escutasse o barulho de eu chegando em casa, seja 1 ou 6 horas da manhã.  E dá-lhe sermão. E o que a gente fazia? Entrava por um ouvido e saía por outro. Não que fôssemos burros ou irresponsáveis. A vida é uma só.  Se você tem medo, tá vivo.

Alguns poucos adolescentes sucumbiram como os idosos que sucumbiram pelo Covid-19. Em acidentes bestas, em assaltos, em estupros. A maioria, como eu, está viva para contar a história e dizer que sim, não se arrepende de ter sido a desobediente.

Eu fui, eu vivi, eu adorei cada noitada, e mesmo assim, escutei  parcialmente meus pais. Tive o cuidado de não voltar com ninguém (muito) bêbado, de não pegar carona com desconhecidos, de não marcar bobeira na rua à noite.

Espero que eles nos escutem. Que lavem suas mãos, que carreguem e vistam suas máscaras de proteção, que evitem lugares aglomerados. Mas deixar de sair à rua e viver ? Que eles decidam o que é melhor para eles.

À senhora de 85 anos que hoje estais no céu, que esteja flanando de um lugar muito melhor que o nosso e que esteja dando todos os rolês que sua alma merece!

Não me julguem. Não sou bolsominion, eu absolutamente discordo dessa abertura  desembestada que nossa cidade está promovendo e ainda continuo reclusa na minha casa, serena e feliz. Mas sejamos talvez os filhos chatinhos que orientam os pais, mas não os proíbam. Eles vão saber o que é melhor para eles.