
Temos todos que combinar uma coisa. Falamos a verdade aqui. Quem não tem filhos e nem animais, há de concordar que todos temos mais tempo sobrando agora com a pandemia. Talvez a gente trabalhe e estude mais agora para se adaptar ao remoto. Mas há sim uma sobra maior de tempo. Tenho reparado mais no meu redor. Na conversa com pessoas no Whatsapp, quando caminho no bairro onde moro.
Com a pandemia, minhas distrações e hobbies estão restritas.
Acabou (por enquanto) rolês de shopping, bares e restaurantes, encontrar com amigos (snif).
Acabou (por hora suspendi) aulas presenciais de tecnologia e violão, que juro, estava começando a arranhar meus primeiros acordes.
Acabou por ora minhas idas a Santos para surfar, e o meu passatempo preferido na vida: viajar (choro).
O que me resta, como menina solteira na cidade de São Paulo? Idas ao supermercado, reuniões e trabalho virtual, NetFlix e criatividade para ter onde se coçar.
Bem, eu já vi que não tenho maturidade para encarar um NetFlix. Se começo a ver uma série, tenho que termina-la nem que seja assistir 30 episódios seguidos. E a série pode ser ruinzinha que dói, e depois que acaba e o dia amanhece, você se dá conta do tempo que perdeu. Mas eu já vi que não dá. É que nem apertar o play pro diabo.
Me resta a conversa com amigos pelo Zoom , que vai lá, é algo mas não é tudo. Falta aquela interatividade que só o contato pessoal produz, tanto que as reuniões virtuais ficam menos frequente e mais curtas, mais rasas.
Me resta também prestar mais atenção quando recebo uma ligação de amigas ou no que acontece ao meu redor.
Cheguei por ora a duas conclusões.
Uma delas, pessimista. Temos sim uma humanidade doente. Em um único final de semana, presenciei um grupo de 5 casais de ciclistas, todos jovens e aparentando boa saúde física e financeira, sem proteção de máscara alguma, batendo papo em frente a uma rotisseria do Campo Belo. Em 10 minutos, reparei várias pessoas, idosas, que sabiamente, evitaram o espaço. A dona, perdeu clientes preciosos. Conversei com ela. Disse que não tinha coragem de intervir, até porque 2 dos casais são seus amigos. E já tentou conversar, mas não adianta. Melhor não insistir.
Isso para não me estender . Vi cena pior. Ia parar num bar para pedir algo para viagem. Um grupo de 15 pessoas, entre homens e mulheres, bebendo e fumando, e ainda fazendo bullying com quem passava de máscara olhando feio para eles. Máscara? Nem no bolso.
Eu não sou extremista a ponto de dizer que todo mundo precisa ficar em casa 100% do tempo. Eu não sou assim. Dou meus rolês a pé, de carro, mas evitando aglomeração, grupinhos e sempre de máscara. É o mínimo que você tem que fazer para respeitar os outros.
E não eram millenials, faria Limers, jovenzinhos. Eram pessoas como nós, de 30 a 40 anos, que já têm pais idosos, e muito provavelmente não estão confinados num sítio longínquo e milionário.
A humanidade está doente, e o Covid-19 veio só para constatar. A falta de empatia com o próximo é algo gritante hoje.
Por outro lado, tenho uma conclusão positiva e animadora: existe beleza e humanidade em cada um de nós. E de forma diferente, pois sim, somos seres humanos, únicos em sua essência e espírito.
Eu tenho a minha humanidade. Talvez um pouco genérica. Faço parte de ações sociais, contribuo para 3 ONGS, trabalho voluntariamente em uma. Gosto de animais, gosto das pessoas. Primeiro acredito, depois pago para ver. Acho que no mundo há mais pessoas boas do que ruins, e a conta bate e vale a pena.
Cresci um pouco. Tento ser menos maldosa, fofocar menos, tentar espalhar só as notícias boas. Claro que como humana, eu erro. Sempre. Mas sempre menos.
Minha amiga tem um outro tipo de humanidade: talvez ela não faça parte de ONGS, nem consegue contribuir financeiramente. Mas sua bondade está em atitudes que eu, por exemplo, jamais tive coragem.
Mãe de 2 vira latas lindos e fiéis, ela resgatou bravamente há dias atrás uma filhote que quase foi atropelada na Av. 9 de julho. O dono, um jovem de feições simpáticas, vive nas ruas há tempos atrás de um baseado e tem vários cachorros.
A maioria das pessoas, e eu talvez em dado momento me incluo, tendemos a ver o que achamos bonito, por ser mais conveniente, menos doloroso, e mais fácil. A gente tende a ver que o moço de rua apesar de sua situação miserável, ainda acolhe de 5 a 10 cachorros , tratando como seus filhos. Que deixa de comer para dar para eles.
Enfim, a gente enxerga poesia onde não tem.
Minha amiga viu a realidade, pois passa por lá todos os dias. Este moço, tem boa saúde, mas finge estar doente. Finge que cuida dos cachorros, mas no fundo deixa-os a mercê da sorte quando vai procurar droga ou diversão. Com 2 filhotinhos no colo, a grana de doação é muito mais fácil. Então ele faz dos cachorros o seu sustento (talvez como os donos de Canis? Talvez mas é pano para outra discussão). Não são seus filhos, são seu meio de vida. Nem todos moradores de rua são assim. A gente torce que não.
E no meio de tantos covardes como nós, minha amiga teve a visão de ver a cachorrinha quase ser atropelada, quase morta de fome e bichos. E a resgatou, não se importando com a fofoca de vizinhos e a ameaça do moço, que perdeu sua cria valiosa, pois tinha os olhos mais meigos, bons para conseguir dinheiro.
Esta minha amiga não é ativista profissional, não aparece na TV, não posta nas mídias sociais para angariar likes. Ela viu uma alma perdida e indefesa, e a resgatou. Simples assim.
Eu nunca tive essa coragem. Apesar de amar animais. Eu já deixei de resgatar muitos, já deixei de resgatar uma cachorrinha que veio atrás de mim, em minha antiga casa em Interlagos. Penso nela até hoje. Mas nunca dei um passo para frente.
Já minha amiga, não pensou 2 vezes. Ela não é rica, não tem dinheiro sobrando, mas tem saúde, dignidade e acima de tudo, humanidade.
Existe maior beleza na humanidade do que esta? Duvido.
Eu nunca me esqueço daquele ditado do homem que estava na praia, devolvendo filhotes de tartaruga para o mar, entre tantos milhares que estavam sendo devorados pelos pássaros e encalhados na areia. Quando indagado por um outro homem porque ele estava fazendo esse esforço inútil em grandeza, já que era impossível ele ajudar todas, senão a maioria, ele respondeu, entregando mais uma ao mar: “fiz diferença para esta”.
Mais uma vez eu digo. Para os céticos que a humanidade vai continuar na mesma ou até piorar. Esse tal de Covid não veio por nada. Nós vamos sobreviver. E vamos melhorar.