Sim, é um pensamento egocêntrico total.  Mas não de todo fútil.

Este final de semana revi o filme “A Ghost Story”, onde um homem que morre em um acidente de carro vaga como um fantasma em sua casa e observa o mundo que ele deixou, seguindo os passos desde sua mulher até as pessoas que habitam sua casa no passado e no futuro.

Sabe aquela listinha mental que você faz de vez em quando de pessoas que iriam no seu funeral? Algumas por obrigatoriedade, outras por puro sentimento? Essa lista é mais profunda.

Sempre somos inesquecíveis para algumas pessoas.

Começando por nossa família: nossos familiares próximos, como pai, mãe, irmãos, avós e sobrinhos, há um laço indissolúvel, a não ser em casos extremos de briga ou de desafetos.

Seremos lembrados (tenho fé) até o último de seus dias. De nosso rosto, nossa personalidade, nossos defeitos,  nosso jeito de falar, nosso cheiro.

Daí seguimos: nossos amigos. Amigos que são nossos por mais de décadas. Estes, acho e confio que serei eternamente lembrada. Já estamos com 40 e poucos anos, dificilmente seremos esquecidas. Esses amigos acompanharam o início de nossas carreiras, o ingresso na universidade, as noites de balada e bebedeira, as viagens incríveis (e as nem tanto), os réveillons hilários e emocionantes, o bofe dos sonhos, os filhos, as primeiras perdas.

Conto em uma mão quantos são. Talvez 2 (mãozinhas, mas não todos seus dedos).

Seguimos ao círculo de amigos mais recentes, menos de uma década. Mas são uma turma renovada de amigos, seja por afinidade ou por tempo disponível. Amigos relativamente novos, mas com convivência muito intensa, como se conhecêssemos há mil anos.

Bem, estes só o tempo dirão. No decorrer, alguns se perdem, outros se mantém. Se eu me fosse hoje, certamente alguns deles se lembrariam de mim para sempre. Da minha risada escancarada, do meu andar não feminino, da minha voz alta e grave.

Talvez aí entrem ex amigos e ex amores, daqueles que vêm desde nossa infância até tempos recentes. Estes, uma incógnita total. A gente nunca sabe o que se passa na mente do outro. Talvez a amiga de infância que se foi para outra cidade sempre se lembra de você com carinho, mesmo que nunca mais tenhamos nos falado.

Talvez aquele bofe que você viveu um belo amor de verão não faz nem ideia de quem você é, nem se lembre de seu rosto, e como se conheceram.

Talvez outro bofe, que por motivos diversos não rolou algo mais sério, sempre vai lembrar da sua pele, do seu cabelo, da pinta perto de sua boca, da primeira vez que te viu. Talvez ele não saiba que vez ou outra a gente se pega pensando como seria, e nutre uma esperança de ego, se você pensa nele como ele pensa em você toda vez que conhece alguém nova e faz aquela comparação meio tosca e necessária.

Eu tenho, e confesso, essa esperança romântica, de algum bofe que gostei muito no passado, de ficar lembrando de mim vez ou outra, até na velhice. Puro ego.

Porque eu digo que essa minhocação não é de toda fútil? Para mim, serve como um termômetro de como estou agindo no mundo.

Serve para eu poder reavaliar minhas ações.

Tá, ninguém é obrigado a servir ao mundo para ser lembrado.

Se você faz sua vida sem prejudicar os outros e vai dessa para melhor sem esse orgulho de querer ser lembrado, numa boa.

Eu tenho esse ego ainda. Faço a minha vida como quero, mas ainda penso que uma vida só feita de viagens e momentos unicamente pensando em mim, não está completa.

Quando eu faço uma lista (e eu faço anualmente) das coisas que mais me marcaram, vem em primeiríssimo lugar aquelas que estou com alguém (amor, amiga, mãe, familiares).

Não entendam mal. Eu adoro e fico boa parte do tempo sozinha. Quem me conhece há tempos sabe que eu aprecio e tenho preconceito zero de ficar sozinha em viagens, restaurantes, experiênci s e tal. E considero essencial para você se conhecer melhor.

Mas os momentos mais inesquecíveis de minha vida foram certamente compartilhados e criados com outras pessoas.

Eu sempre fui solteira, dos meus 0 aos meus 44 anos anos recém completados. Então tem fases que a gente está pouco se lixando para os outros, que deixamos nós como o centro do universo e de todas as ações. Ficamos egoístas, centrados apenas no nosso prazer e satisfação pessoal.

E daí vem essa bendita reflexão e me faz voltar à terra. E sempre relembrar é bom:  a lembrança, o carinho e a empatia vem dos dois lados. Se você quer receber, você tem que doar. E vamos ser sinceros, meus amigos e amigas solteiras, se doar é o mais complexo para quem vive sozinha há muito tempo.

Não quero falar dos clichês bestas que dizem que a gente cria uma armadura. Isso é idiotice. É clichê de gibi.

A gente aprendeu há tempos de viver sozinha, de comer o que quer, de fazer nossas ações sem julgamento diário de outros.

É natural que temos ações pensando mais na gente sempre.

Claro que temos que controlar isso. Um cano em um aniversário de alguém que sempre se lembrou da gente, uma desculpa para não ir ajudar um amigo que tá na pior, uma preguiça ali de dar um carinho em alguém que perdeu um ente querido só porque ele mora em outra cidade (do mesmo estado), isso não se chama armadura. Isso se chama descaso, e um caminho natural para você viver e morrer como se nunca tivesse existido para os outros.

E digo mais: os momentos inesquecíveis eles são construídos. Não é aquele jantar memorável em si que foi inesquecível, e sim como chegamos até ele. Como superamos algumas brigas, mágoas e o amor e a amizade triunfou.

Não foi apenas aquela viagem, ou aquele entardecer rindo de todas as coisas bestas que fizemos, mas como se deu todas essas histórias.

Eu já tenho essas pessoas inesquecíveis comigo. Estou curiosa para ver no fim da vida (e se Deus puder me dar, uma longa e bem vivida vida) se o leque mudou.

Pérola de sabedoria do dia: não fique envergonhada de fazer uma avaliação para sua melhora pessoal e mudança de atitude. A vida pode não ser um livro de contabilidade, mas parar às vezes e rever o que você está fazendo é tudo de bom. E mudar a rota pode ser surpreendente e doce.