Eu faço parte de uma comunidade no Facebook que é “mulheres que viajam sozinhas”. Me deleito em ler relatos emocionantes e outros até descompromissados sobre a vida de uma mulher viajante e sozinha.

Nesta comunidade há de tudo: desde a ex esposa de um marido abusivo até uma mulher que vai fazer sua primeira viagem sozinha. Tem também muitas que buscam uma companhia para um destino.

A idéia dessa comunidade é um lugar onde as mulheres se sentem acolhidas e podem compartilhar suas experiências, tanto para alertar quanto a lugares que são perigosos, até experiências surpreendentes.

Entre tanto lixo no Facebook, esta comunidade é um achado e sim, muito bacana.

Comentei dessa tal comunidade num almoço com minhas amigas casadas. Comentário geral:

“é um grupo de lésbicas”? “Pq elas não casaram ainda?” “Eu acho que viajar sozinha só por necessidade, elas estão mentindo que é escolha delas”.

Verdade. Em 2020. Minhas amigas. E olha que tento há anos melhorar a cabeça delas em relação a nova mulher. Parece que não estou conseguindo.

Num jantar com mais amigas casadas. Comentei que ia para Trancoso. Com quem? Com minha amiga, a mesma que foi ano passado comigo para Boipeba.

“hum, já virou casal então?”. Risadinhas internas.

Claro, dizem que é brincadeirinha, boba.  Mas a gente solteira não faz essa brincadeirinha boba de “e seu marido, já cansou de você e já tá comendo quantas?”, “e esse casamento de fachada heim?” não é mesmo?

Acho que a mulherada da minha idade, de quarenta e tantos, deu uma pequena evoluída. Micro evoluída.

Ainda paira o preconceito das casadas sobre as solteiras.

Pego uma exceção para as casadas que foram solteiras por muito tempo, e nos entendem que ter um relacionamento com um boy bacana não é tão fácil assim e não tá sobrando tanto homem bacana assim na praça. Boy lixo tem de monte. Essas sim são parça. Ainda fazem o comentário de tia: “e os boys?” mas não vejo veneno. É desejo mesmo que você encontre seu par e daí fica melhor para sair de parzinhos com o marido. E porque estão muito bem acompanhadas. Então querem para você o mesmo que elas têm. Não é alpinismo social e sim uma vida boa, melhor. Dessas, e não são poucas, eu jamais ouvi algum comentário impertinente como os descritos no início, ainda que de “brincadeirinha”

Mas vamos entender então a mulherada retrógrada. Não vamos atirar pedras. São minhas amigas, são boa gente (senão não seriam minhas amigas) e me conhecem há décadas. Algumas casaram cedo, outras nem tanto. Mas percebi que elas têm algo em comum: são mulheres que entendem o casamento como uma realização pessoal, assim como seus filhos, e que fazem parte de qualquer mulher normal , heterossexual, no mundo de hoje.

São mulheres que desde cedo já buscaram um namorado, um casamento, e vêem a formação de uma família como um caminho natural. Todo o resto é anormal, é fora da curva.

E calma aí, não vamos dramatizar e colocar uma carapuça nessas mulheres de idiotas. Elas podem até fazer comentários idiotas e atitudes assim, mas não são. E sim, são amigas minhas independente da diferença de opiniões.

Mesmo mulheres que estão hoje solteiras, mas tem filhos e têm uma visão como acima, vêm mulheres que não tiveram filhos, que estão solteiras e que participam de comunidades de mulheres que ajudam mulheres como “sapatões enrustidas”, “mal resolvidas” “problemáticas”.

A criação foi a mesma para todas. Fomos filhas de mães de famílias tradicionais, nascidas na década de 70, e com o modelo patriarcal de mãe dona de casa, pai que traz o sustento, família que nunca se separa.

Mas para mim eu queria uma vida muito diferente da minha mãe e desde cedo, nunca vi como prioridade casar e ter filhos. E embora já tenham me questionado inúmeras vezes já que fui solteira a vida inteira e tenho sim amigas lésbicas, eu gosto de homem mesmo. Mas a vida para mim é muito rica em lugares para conhecer, pessoas a conversar e os simples prazeres da vida que me enriquecem, do que focar em família e marido. E não é clichê, mas eu ainda não encontrei um cara para chamar de the one.

Para elas, foram emendando um namorado no outro, nunca estavam solteiras. Casaram, tiveram filhos. Algumas estão casadas, outras se divorciaram. Mas para elas é natural nunca estarem sozinhas. Ok, não sou dessas, mas respeito.

Não sei se elas algum dia vão enxergar que sim, suas amigas solteiras são iguais a elas, apenas solteiras e com outras prioridades que não  o filho e marido. Gostaria. Me chateia que elas talvez nunca me entendam e por trás de cada comentário “brincadeira”, existe uma ponta de inconformismo e ignorância.

Mas eu tenho fé na nova geração. Antes eu achava que era muito mimimi essa de censurar comentários racistas, machistas e preconceituosos mas que sempre estavam enraizados em nós. Tirar do vocabulário “criado mudo”, “denegrir”, me parecia um pouco demais. Hoje eu vejo diferente. Se a gente não militar, tudo fica na mesma. E tenho certeza que quando todas as mulheres casadas e solteiras puderem fazer as pazes e sim, nos unirmos, seremos melhores e mais felizes.