Sem poder se encontrar presencialmente por causa desta maldita pandemia e já meio de bode com as reuniões virtuais (ou seja, vida social zero), tenho passado um bom tempo olhando vídeos no youtube de viagens alheias.

Num desses vídeos, por curiosidade fui procurar o perfil de 2 blogueiras no Instagram.

Uma tem 27 anos e a outra 45, exatamente minha idade.

A de 27 anos tem mais de um milhão de seguidores, várias Publis (posts e stories declaradamente como publicidade paga) e mora com o namorado e sua cachorrinha.

A de 45 anos, embora com menos seguidores, possui também várias empresas parceiras e mora com seu marido e sua filha pequena.

Me julguem, assisti os vídeos delas de rotina (já que os de viagens por enquanto estão parados) delas por curiosidade e achei um bom passatempo. Para mim melhor que ver TV.

Em uma mesma semana, algo me chamou minha atenção:

A de 27 anos revelou que naquela semana, dado a pouca quantidade de trabalhos fechados (pelo que entendo, os trabalhos dessas influencers são variados e geralmente por curto período) ela deu boas cochiladas durante o dia.

E até se questionou no vídeo o porquê dela estar escondendo até então esta informação. Por vergonha, por acharem que ela está  em vagabundagem, por acharem que ela não é chamada para mais nada?

Depois frisou que ela as vezes trabalha nos finais de semana, e que a rotina de uma influencer tem dias corridos e dias tranquilos. E porque ela não se pode dar ao luxo de em plenos dias de semana ficar totalmente ao ócio (ou em linguagem bruta, fazer porra nenhuma?). Ela já conquistou seu patrimônio a ponto de não precisar trabalhar mais por dinheiro.

Por outro lado, a youtuber quarentona não se cansa de demonstrar que está exausta, que todo dia é aquela “correria”, e que não tem tempo nem para respirar.

Não a julgo e não sei o que é correto. Talvez ela seja mesmo. Mas o que vejo pelos seus dias e pela sua rotina no Instagram, não mais e não menos do que sua colega de profissão de 27 anos.

A nossa geração, nascida entre as décadas de 60 a 70, sempre tiveram o medo de caírem na “vagabundagem”, em não fazer nada o dia inteiro, em ser uma inútil para a sociedade.

Então tínhamos aulas de inglês, de espanhol, de natação, de balé quando meninas e quando xóvens dormíamos 5horas por dia para conciliar o estágio com a faculdade (e os gorós porque éramos xóvens).  Conquistamos nossa independência financeira e nosso primeiro apê aos 30 ou 40, e fizemos os nossos ninhos e aposentadorias para poder parar aos 50 de trabalhar.

E agora, chegando aos 50, podemos na prática parar de trabalhar ou pelo menos desacelerar, e nos sentimos culpadas e com vergonha de falar que estamos de saco cheio de trabalhar.

Como assim?

Peguemos um exemplo. Você sai de uma posição numa multinacional para trabalhar numa consultoria onde os picos de trabalho são ocasionais e a demanda de trabalho diminui. Você aproveita que não tem filhos (ou já saíram de casa) e para fugir do transito, pega uma semana na praia .

Já vem os comentários, vindo principalmente de quem não pode fazer o mesmo (aliás, geralmente  de quem nunca guardou dinheiro durante seus 30 e 40 anos e acha que quem agora pode deixar de trabalhar é madame ou que nunca ganhou seu dinheiro):

“ – Você só viaja!”

“-êh vida boa”

“- queria ser que nem você”.

Pode ser que esses comentários sejam genuínos e querendo o seu melhor.

NÃO.

Sinto muito mas até eu que sou poliana à beça sei que há um misto de veneno, amargura, e infelizmente inveja alheia.

Daí a gente posta menos no nosso feed das redes sociais temendo o olho gordo (e olha, existe!), e em vez de enaltecer os dias de ócio que conquistamos, ficamos camuflando com “estou na correira”, “to com a agenda cheia”.

Há algo de errado nisso, não?

O nosso dinheiro conquistado não foi roubado de ninguém.  Se fosse de herança, sortuda foi você que teve pais que guardaram dinheiro e ainda tem o mérito de não ter torrado tudo em sua juventude.  Se foi de suas economias, investimento e trabalho de décadas, porque  nos sentimos compelidas a justificar nossos dias de ócio e mostrar ao mundo que somos produtivas ainda? A sua”vida boa” é totalmente digna!

Um exemplo de como as gerações Z e Millenials talvez lidem melhor com essa questão de “poder ser vagabunda”.  Num final de semana antes da pandemia, fechamos um final de semana em outra cidade. As de 40 e pouco, sempre ocupadas, sempre respondendo e-mails, sempre em ligações, e sempre com o bordão : “nossa, é super difícil poder se desconectar”

Já as millenials, só usavam o celular para ficar nas mídias sociais e colocar a lista do Spotify de músicas.

E estas últimas estão em posição de liderança em empresas, viu? E alguma são mães precoces. Apenas conciliam melhor suas tarefas, delegam melhor (ao namorado, marido) e sem medo de ser feliz e vagal.

Outro exemplo: Na pandemia, 3 pessoas do meu círculo pessoal resolveram tirar um sabático para repensar sua vida, seu propósito ou de verdade, descansar o corpo e a mente.  Não teve uma que não foi “fritada” pelas costas.  As amigas (e são amigas mesmo gente. Repito: isso é um mal de nossa geração, não de ética das pessoas) julgaram até: “não aguentou”. “desistiu” “agora se tocou” “que desperdício”.

Quando na verdade devíamos comemorar e celebrar a conquista de alguém de poder se desligar de atividades remuneradas porque sim, conquistou essa liberdade!

Sempre que eu escrevo um texto eu penso em algum propósito para ele (ok, às vezes é para desabafar mesmo) e o que espero aqui é acender essa luz para algumas pessoas.  Que as mulheres (e homens) que conquistaram sua independência financeira não se inibam de aproveitar a vida como ela merece, e que as pessoas que estão julgando se perguntem antes porque não estão que nem elas antes de fazer algum comentário maldoso ou “só na vida boa”….

De verdade, a vida nem sempre é fácil. Em vez de julgar aqueles que estão num momento de puro prazer, aprendemos com eles e celebremos. E um recado sincero a nós quarentonas (eu me incluo): apenas parem de ficar clamando por aí que estão super ocupadas, que seu dia foi super cheio, com o pretexto de parecerem requisitadas e importantes. Se vocês são, parabéns. Não usem isso como marca pessoal. Eu de verdade invejo a millenial que ganha seu dinheiro e adquiriu direitos precoces para ir à praia no meio da semana e responder mensagens só na segunda feira.