Esta semana me vi obrigada a revirar meus álbuns antigos à procura de fotos de infância para colocar na campanha de uma ONG que sou voluntária.

E me vi, numa mistura de saudosismo e vergonha alheia de mim mesma, em várias etapas e situações de minha vida: linda e gordinha aos 2 anos de idade, adolescente desajeitada cheia de espinhas e com óculos enormes (afinal, antes da minha operação de miopia  eu era a Miss Magoo com meus 7 graus para enxergar de longe), xóven adulta meio cheinha.

Me lembrei de minha época de estudante: em escolas que acho um horror  e perda de tempo total e escolas que guardo com carinho para a vida e que me ajudaram na minha formação.

Porém, o que mais me chamou a atenção, a parte dos lugares e de minhas mudanças de aparência física, foram as pessoas que estavam comigo.

Eu ,como menina mulher nascida na década de 70, tenho alguns orgulhos guardados de quem viveu essa época. Um deles sem dúvida nenhuma era as fotos reveladas em filmes Kodak.

Esse pessoal da geração millenium, X, Z , não tem a experiência (talvez só os que são muito descolados mesmo, daquelas que usam polaroid ou imprimem suas fotos) de ter que revelar as 36, 24 ou 18 poses (ou tentativas) de filmes kodak, onde você só via o que tirou quando as fotos eram impressas em casas especializadas. Só mais tarde, as fotos eram digitais e você podia ver o que tirou antes de revelar.

Com isso, o que temos é um bocado de álbuns impressos, guardados, empoeirados em algum armário esquecido, mas estão lá e ocasionamente, numa noite de ano bissexto de lua cheia, a gente se lembra das tais fotos e vai lá dar uma xeretada  (geralmente é para alguma festa de família para fazer um ente passar vergonha mesmo). Não estão num laptop ou numa nuvem ou num pen drive que nunca foram mais visualizados.

Me lembrei de momentos eternizados num pedaço de papel gloss, alguns felizes e outros nem tanto. E se não fossem por eles, talvez nunca mais seriam lembrados, como quase se não tivessem existido.

E um deles são pessoas. São amigas e amigos que estiveram por anos em sua vida, quase todo final de semana, em todas as viagens, em todos os tradicionais almoços de sábado. Por algum motivo da vida, seja briga, ou motivos da vida mesmo, vocês seguiram caminhos separados. E a maioria são motivos da vida. Bifurcações. Alguns foram morar fora, outros casaram e se afastaram. Outros foi briga mesmo. Enfim, não somos perfeitos.

Esquisito como a mente humana se acostuma a falta da pessoa, não? Triste e saudoso ao mesmo tempo.  Pessoas que uma vez estiveram conosco  em momentos tão felizes ou decisivos, com Natais juntos, viagens memoráveis, muitos aniversários comemorados e hoje seriamos desconhecidos se cruzando ao acaso na rua.

E talvez nunca mais seriam lembrados, se não fossem por essas fotografias típicas das quarentonas ou cinquentonas.

Isso vale para ex namorados, amigos, familiares, colegas de profissão.

Assisti um filme Ghost Story (talvez esteja ainda disponível pela Netflix,com Casey Affleck e Rooney Mara), sobre um rapaz que tem sua vida precocemente interrompida num acidente de carro (não me xinguem, não é spoiler e inclusive está na sinopse do filme). O filme continua mostrando ele como um fantasma (literalmente, com um pano tosco cobrindo o personagem), vagando por sua casa, seu bairro, testemunhando  a vida acontecer e continuar com sua amada, seus familiares, inclusive muito antes e muito depois  dele deixar o mundo dos vivos.

Não é um filme romantizado, e provavelmente poderia ser a sua  história e a minha e a de meus amigos, vixe.

Eventualmente, a mulher sofre por uns tempos, talvez meses, talvez anos. Ela chora copiosamente de saudade ou inconformismo, de solidão.

Eventualmente, ela conhece alguém um dia , e se muda.

Seus amigos no começo lembrarão de você , e com o passar dos anos você cada vez será menos comentado ou lembrado.

Seus familiares , idem. Seus pais, provavelmente para sempre, até o fim. Seus irmãos, talvez. Seus primos ou tios ou sobrinhos, menos.

E a vida segue assim. Triste. Mas belo, devo dizer.

Eu fui e sempre sou defensora das gerações mais novas que a minha, a tal “cringe” e a Z.

Acho de verdade que eles serão melhores  e já são do que nós em muitos aspectos.

Contudo, me preocupa  talvez que estes xóvens possam perder em partes os tais filmes Kodak. Com tanta informação, tanta vida conectada no digital, tanto nomadismo e os tais amores líquidos, que cada vez mais colecionemos mensagens e fotos no Instagram, e mais estranhos que um dia foram melhores conhecidos.

É fato que as novas gerações trocam mais de tudo. Emprego, de lugares,  roupas, ídolos,  redes sociais, aplicativos, marcas. E mais rápido. 

É o futuro da humanidade, e sim, é o novo normal.

Será que existe o cuidado de lembrar das pessoas que passaram pela sua vida? Não sei.

Não sou de ter inúmeros amigos e confidentes, mas os que passaram pela minha vida, certamente me tornaram a pessoa que sou hoje e pavimentaram a pessoa que serei daqui para a frente.

Todas as marcas emocionais, boas ou ruins, estão comigo. Quando digo que uma pessoa que fui muito próxima um dia, hoje se encontrar na rua talvez não a lembre e seja uma vaga lembrança, é com certa melancolia.

To ficando mais velha, é fato. Tô gostando de passarinho, de ver bicho, de ver natureza e até planta (bem, nem  tanto). E agora tô até me atrevendo a dar conselhos para os mais xóvens. Imprimam e guardem suas fotos com carinho. Não precisam postar tudo nas suas redes sociais. Elas são seu passado, e respeite-o. E ame-o se ainda puder amá-lo. Sem vergonha de ser feliz. Beijo no coração, para nós quarentonas e registradoras de filmes Kodak e fotos por ora constrangedoras, e para os millenials e Zs.