
Recentemente, assisti pelo NetFlix um filme dirigido pela atriz norte americana Maggie Gyllenhaal, intitulado de “A filha perdida” – The lost daughter.
O trailer entrega uma história promissora e incômoda, sobre uma professora de meia idade Leda (interpretada pela Olivia Colman, para mim talvez a melhor atriz da atualidade) que vai passar férias sozinha em uma praia na Grécia. Entretida com seus livros, Leda observa uma família barulhenta que passa férias no mesmo lugar, e em especial uma jovem mãe (interpretada por Dakota Johnson) às voltas com uma filha que demanda atenção total e seu marido ausente, levando a seu passado misterioso e turbulento ela própria como mãe (interpretada por uma atriz que promete – Jessie Buckley, que apareceu na minissérie Chernobyl e no filme Wild Rose).
O filme entrega atuações excelentes de Buckley e Colman, e mantém a tensão até o final, embora com um ritmo por vezes um pouco lento.
AQUI CONTÉM SPOILERS DO FILME
Contudo, achei que o filme poderia ser mais ousado e talvez se tornado uma obra prima. Ele é muito bom, merece ser visto e premiado, mas ao tocar num tema polêmico e também absolutamente necessário que é o questionamento da maternidade e a exposição do nem tudo são flores no papel de mãe, ele simplifica a resolução da discussão com a revelação das personagens de caráter duvidoso e questionável para justificar suas ações de revolta e ojeriza como mães.
A personagem de Olivia Colman, que no desenrolar do filme nos mostra uma mulher sensível, coerente e que qualquer uma de nós podia se identificar com ela , no final toma atitudes mesquinhas e incoerentes que tira o ar de normalidade dela.
A de Dakota Jonhson então , nem se fala. A principio misteriosa, não sabemos de seu caráter. Para no final, se mostrar alguém ruim e de caráter detestável.
Daí o filme , que prometia ser transgressor, dá a entender que as mulheres que questionaram seus papeis como mães são ruins e mau caráters. A personagem de Colman se mostra uma pirada insensível. A de Johnson uma interesseira traidora e perigosa.
E se o filme tivesse a coragem de mostrar as personagens como pessoas sãs, boas, e que os fatos e circunstâncias da vida a levaram a praticar os atos terríveis que cometeram? Atos imperdoáveis e terríveis sim, mas cometidos por gente como a gente? (no caso de Leda (Colman), ela abandonou as filhas por 3 anos, para só resgatá-las depois), e a personagem de Johnson demonstra intenção de ir pelo mesmo caminho.
Com isso, não quero vangloriar ou até mesmo perdoar a atitude dessas personagens. Mas que não devíamos maquiar a realidade de ser mãe. Existem as delícias, que são exaltadas, e existem as dores, que são inúmeras e existem. Isso é um tabu ainda hoje, pleno século XXI. Porque? É o medo de fazer com que ninguém mais querer ser mãe? De exaltar e impulsionar outras mães a cometerem atos terríveis como os que acontecem no filme?
Essa discussão deveria ocorrer com muito mais frequência até para antes mesmo da maternidade.
Conheço mulheres amigas que estão esgotadas e abdicaram muito de sua vida pessoal e profissional. Tem que ser assim mesmo?
No filme, os homens são personagens secundários. Como os homens dessas minhas amigas. O papel deles como pai é mero coadjuvante.
Jamais deveria ser dessa forma. A não ser pela morte, um filho deveria ter o pai sempre do lado, como o meu sempre esteve.
Conheço homem que tem 7 filhos e não tem contato com nenhum (conheci até um taxista na Bahia que tinha 30 filhos e nenhum contato). Conheço homem que se separa, vai para o exterior fazer uma nova vida e um novo amor, e sua ex que lute para criar os filhos. Conheço pais (até amigos meus) que mesmo casados, não ajudam em quase nada na criação e formação da criança.
Não deveria ser assim. As mulheres estão exaustas. Minha mãe era dona de casa. Trabalho integral cuidar do filho e da casa. As mulheres hoje respondem por parte da renda da casa (quando não são as totais responsáveis) e continuam responsáveis pelo lar e pela criação dos filhos. Talvez algumas (não a maioria) conseguem se manter e crescer na carreira. Poucas conseguem além disso ter sua vida pessoal para ela mesma de alguma forma. Os encontros com as amigas acabam de vez, a viagem para seu destino de sonhos não existe mais.
Uma conhecida minha, outro dia, me disse que quando você é mãe, a sua alegria passa a ser de seu marido e de seus filhos. Eles estando feliz, está tudo ótimo. Ela é uma excelente mãe.
Ela deveria ser elogiada, mas não o fiz. Não acho que sacrifícios tem que ser vangloriados e servir como exemplo único. Questiono se conseguem ser excelentes mães ainda separando um tempo para elas mesmo. Para cuidarem de si, irem num spa, papear com as amigas. Ao deixar de ser 100% voltada como mãe , ela deixa de ser uma boa mãe? Que seja,70% para a família e 30% para ela, como ser humano. Ela seria um ser tão ruim?
Voltando ao filme, tem uma cena logo no início , simbólica: a protagonista saboreia um sorvete, em sua chaise de praia, toda tranquila. As mães deveriam ter o direito a estes momentos.
Quando os homens tiverem um papel de tempo e empenho cerebral e físico igual ao das mulheres (tá, no parto não dá), certamente as dores da maternidade serão muito menores.
Talvez a culpa não esteja só neles, conheço amigas minhas que não delegam e só criticam a atuação do marido, e tomam para si toda responsabilidade .
Mas olha que incrível: conheço 2 casais que são meu exemplo: os 2 trabalham, e cuidam de maneira quase igual das crianças. Ela tem a noite com amigas, ele tem a noite com amigos. E também tem vale night para os 2 como casal. Tem babá, tem mãe e pai que cuida, tem amigos. E as crianças, hoje com 14 e 16 anos, são maravilhosas, provavelmente serão seres humanos do bem para todos.
Se isso não fosse aleatório (e no Brasil uma raridade) e sim obrigatório a todos os pais, garanto que teria muito homem pensando 2 vezes antes de se meter (literalmente) numa família.
Creio que na Europa a divisão de gênero é mais igualitária que no Brasil. Na Holanda, por exemplo, é regra a guarda compartilhada das crianças quando há divórcio. Metade do tempo com a mãe, metade com o pai. Se não é guarda compartilhada, é porque há algo muito grave envolvido ou morte de um dos cônjuges.
Me incomoda as histórias de exemplos das supermães, que dão o sangue pelos seus filhos, e vistas como seres magníficos, celestiais. Mães que perderam os parceiros, ou abusivos, e criaram os filhos sozinhas. Não deveria ser assim. Seja num casamento hetéro ou homo, dois adultos dando amor e criação são melhores que um.
Essas histórias não deveriam existir. Nenhuma mulher (ou mesmo homem, conheço alguns , poucos, mas existem, aqueles que tomam a criação completa para si) deveria ficar sozinha na criação dos filhos. A mulher deve ter o direito de criar filhos e ainda assim ter um tempo ainda que menor para seu crescimento próprio, sua identidade. Seja um tempo para viajar sozinha, fazer algum curso , trabalhar sua carreira, ou mesmo momentos de paz tomando um sorvete e pensando no nada. Ou jantar com amigos queridos, ou reservar um tempo para cuidar de seus familiares.
Talvez alguns me perguntem porque estou dando minha opinião se não sou mãe e talvez nunca serei.
Sou mulher e tenho amigas mulheres. Algumas são mães. Algumas sofrem. Algumas sofrem em silêncio, choram escondidas e temem o mesmo destino das protagonistas do filme. Ao abrir a discussão mais frequente, não se trata de abrir a Caixa de Pandora e sim, tentar criar meios e soluções para a melhoria de qualidade de vida, tanto das mães como de seus filhos. E não maquiar a realidade.