Alguns filmes eu me interesso de ver quando me identifico com a sinopse. Dia desses, li uma resenha bem a ver com o assunto deste blog: “Oh Lucy. Um filme americano japonês onde uma mulher QUARENTONA, TÍMIDA, INFELIZ E DEPRIMIDA, vai em busca de uma nova vida em um road movie tocante e sensível”.
Lógico que já fui com a premissa de duas pedras nas mãos, esperando um clichê daqueles. Da mulher meio velha, sem marido, sem filhos, com 3 gatos, tristonha e invejosa.
Bem, assisti o Tal Oh Lucy. E posso dizer que o filme foi uma grata surpresa. Na verdade, nem é um filme tão inesquecível assim, achei-o mediano. Mas é daqueles filmes que você sai e fica refletindo durante um mês sobre. A partir daqui, terá spoilers do filme, inclusive sobre o final, então se não quiser saber, não leia.
A história do filme é a seguinte: uma mulher japonesa na casa de seus 40 anos, vive uma vida solitária em Tóquio, num emprego burocrático, sozinha e com uma relação fria com sua irmã. Num período libertador de sua vida, ela dá adeus a seu emprego tedioso e ao mesmo tempo, compra da sua sobrinha um pacote de aulas de inglês com um professor chinfrim porém gato (o boy magia Josh Harnett). Animada com as técnicas e os dotes do professor magia, ela ganha um nome americano “Lucy” e uma peruca loira e passa a frequentar as aulas. Porém, de repente o professor magia volta para os Estados Unidos, e o pior, com sua sobrinha.
Ela se junta a sua irmã com quem possui muitos desafetos familiares em busca da sobrinha e do fujão magia, e como todo filme de estrada, em sua jornada ela se transforma e tem um novo sentido para a vida.
Senti alguns calafrios durante o filme. Sim, acabei me identificando em partes com a protagonista. A atriz, por sinal, é ótima. Carreira longa a ela, pois precisamos colocar os japoneses no cinema. O bom é que só me identifiquei pelo fato dela ser 1) quarentona 2) solteira 3) japa. Porém, sua personagem de fato, é uma quarentona solitária e deprimida. Também, é de se esperar. Vive uma vidinha de merda. Seu emprego é burocrático, e vive rodeada de cobras e tipos falsianes. Sua casa é uma bagunça completa, ela é do tipo acumulador total (ah isso eu também sou). Não tem amigos, nem vida social, nem viaja. Sua interação com a família é pífia, pois tem uma irmã competitiva e castradora e uma sobrinha chupim.
Alguns gatilhos acontecem no inicio do filme para dar um tapa na cara dela que a sua vida tem que mudar: a primeira sequência mostra um rapaz que se joga no vão do metrô na frente dela. Sua colega de trabalho, bem mais velha, é aposentada a força, resultando num chilique cômico, porém cortante de tão verdadeiro.
Daí ela se apaixona pelo professor jovem e bonitão que claro, não está nem aí para ela, e sim para sua sobrinha linda e inútil.
Mas a jornada pelos Estados Unidos acaba por mudar a sua vida. Não, ela não se casa com o professor bonitão. Mas tira uma bela de uma casquinha com ele, dando um tapa com luva de pelica na sobrinha que se acha muito superior. Ela não se reconcilia com a irmã cobra naja, pelo contrário, corta relações de vez e para o bem das duas. Ela não arranja um super emprego ou um super bofe nos EUA, acaba voltando para a vidinha de sempre em Tóquio e quase se mata.
Ela pinta e borda na viagem: fuma maconha, pega o professor bonitão à força, faz uma tatuagem. Mas não é isso que a faz mudar.
O que faz mudar é que ela acaba se livrando de todas as pessoas tóxicas de sua vida, inclusive de sua família e abre espaço para conhecer pessoas do bem, inclusive o tiozinho parceiro das aulas de inglês que acaba por dar uma esperança feliz ao final do filme
O filme me deu calafrios, repito. Apesar de ser um pouco clichê mesmo, da tia quarentona que nunca se casou e não tem filhos, e não tem perspectiva na vida a não ser um emprego chato e emburrecedor, é verdade sim. O clichê vem das repetições de padrões. E eu poderia ter sido facilmente a japa protagonista do filme. Eu tenho tendência a ser sozinha, anti social e meio revoltada. E acumuladora. Mas entre meus 20 a 25 anos alguns gatilhos aconteceram para que eu mudasse minha postura. Falarei deles em outros contos. E dou graças a Deus por eles. Muitos foram experiências traumatizantes, porém um tapa na cara para mudar de vida.
Eu sou sozinha, acumuladora e não tenho filhos. Mas não sou ranzinza (só quando estou com fome e sono) e tenho uma vida plena.
O que você faz com sua vida e como você usufrui dela vem 95% da sua percepção e forma de encarar a vida, e 5% dos acontecimentos fortuitos (acidentes, encontro com pessoas, tragédias, surpresas). A Lucy do filme não mudou porque mudou de país, ou porque sua cidade natal mudou, ou porque conheceu um bofe novo, ou porque mudou de emprego. Alias, o que eu gostei do filme é que ela mudou por si própria. Claro que teve os gatilhos e a road trip louca, mas ao contrário dos filmes americanos onde a personagem tem sua salvação porque conhece o boy ou mulher da sua vida, ela mudou porque conseguiu enxergar além e não por mérito de um príncipe salvador.
Também me identifiquei com alguns pilares que são verdadeiras lições para praticarmos em nossa vida. Às vezes esquecemos como são importantes, e daí vem um filme desses para nos alertar novamente:
- Tenha amigos ou conhecidos de raiz. Amigos divertidos mas que não torcem pelo seu fogo devem ser descartados. Amigos sólidos têm que ser protegidos e cultivados para a vida toda. Aqui acaba o texto bonito e começa o texto tosco e verdadeiro: imagine o seu velório. Quem estará nele chorando pela sua partida? Se você for contemplado com alguma boa sorte, quem vai comemorar com você ? Se você se arriscar a empreender, quem vai torcer por você, ao invés de ficar fazendo comentários pararelos torcendo pelo seu iminente fracasso? Falarei disso em outro conto, mas em dados momentos de nossa vida, nos cercamos de vários amigos, que estão juntos conosco nas viagens, nas conversas de bares, mas que nenhum está lá ao seu lado. Não tenha medo de descarta-los e procurar outros que sejam verdadeiros.
- Os gatilhos. Tenho certeza que todo mundo tem sua dose de gatilhos, que te fazem repensar a sua vida. Eu sou uma pessoa cautelosa e longe de ser a porra louca, e mesmo assim tive incontáveis em minha vida: a perda repentina de todos meus avós, um assalto terrível na minha casa, a morte precoce de uma amiga próxima, uma viagem inesperada sozinha, uma pane de avião.
Os gatilhos não ocorrem na sua vida simplesmente para lhe pregar um susto e outro e sim para lhe colocar um espelho de vez em quanto na sua frente e te mostrar um caminho diferente a trilhar.
- Trabalhar o seu interior para mudar.
O seu si. O seu fogo no rabo. O teu cabeção, minha amiga.
Você pode ter todo tipo de avisos na sua vida para mudar, e se não partir de você, você vai ficar na mesma.
A Lucy do filme teve que passar por vários gatilhos até mudar a cabeça dela. Não foi a noite com o galã, nem a tatuagem nova que a fez mudar, mas tudo o que ela se prezou a passar na viagem. O filme poderia ser completamente diferente, se ela não saísse do seu emprego, se ela não tivesse aceitado as aulas da sobrinha, se ela não fosse atrás do professor magia.
Acho muito válido de anos em anos a gente se descontentar com nossa situação atual e querer algumas mudanças. Para isso, exercitar o cérebro é fundamental. Uma noite de filme cabeça e discussão com amigos, terapeutas recomendados, conversas aprofundadas com seus melhores e fiéis confidentes, porque conversa de bar é engraçada mas não preenche a alma.
Recomendo o filme. Vejam, mesmo sabendo o final e o enredo. E conversem comigo depois, quero saber o que vocês acharam.