Proponho aqui um exercício rápido antes de partir para um tópico bastante polêmico:

Se os seus irmãos ou irmãs fossem apenas seus amigos, sem nenhum laço familiar, você manteria contato com eles?

Você os perdoaria pelas eventuais brigas, traições e pelas diferentes personalidades que possuem  entre si?

 

Bom, é aí onde quero cutucar.

 

Quando a gente passa dos 40, começa a ganhar uma autoconfiança e uma idéia clara de tudo o que te rodeia: o mundo, a sociedade, seus amigos e sua família.

Com seus pais, o buraco é mais embaixo e não vou entrar em detalhes aqui. Eles te trouxeram ao mundo, e te criaram, bem ou mal, sacrificando parte da vida deles . Para um rompimento definitivo, teria que ser um crime muito anormal de alguma das partes, pois a dívida moral que temos com eles e vice versa é gigante.

Agora, com os periféricos: irmãos, sobrinhos, tios, avós, primos… Como é que fica? Eu tenho que amá-los e suportá-los incondicionalmente ou são “amigos com vínculo familiar”?

Anos atrás, eu assisti a um filme dirigido por Jodie Foster e com  Holly Hunter como protagonista  – “Home for the Holidays”. É uma comédia dramática leve, mas uma das cenas me tocou demais.  Holly e Robert Downey Jr são 2 irmãos que se dão muito bem, descolados, mal sucedidos no trabalho, mas de bem com a vida. Eles têm uma irmã , mais velha, caracterizada como careta e rabugenta, com um marido chato e crianças idem. No dia de Ações de Graças, sem querer  o personagem de Downey Jr derrama um Peru cheio de molho gordurento na irmã chatinha, toda arrumada com seu vestidinho de véia. A turma cai na risada. Ela se enfurece e o xinga. Daí acaba o clima de festa. Mais tarde, a personagem de Holly, bem a contragosto, vai na casa da irmã chata com algumas sobras para tentar fazer as pazes. A irmã diz que não é necessário toda essa cena, uma vez que não se dão bem e nunca serão um elo verdadeiro. Holly tenta argumentar, mas vem a frase: “se eu te visse na rua e você me desse seu cartão, eu o jogaria no chão. Você é uma desconhecida para mim”. No final, Holly sai abalada e a irmã desaba no choro. Mas a vida continua.

O que eu achei fantástico e humano da cena é que não existe um vilão ou mocinho exato.  A irmã chata tem essa caracterização até porque o filme foca no ponto de vista da irmã descolada. A irmã chata não é chata assim, ela tem uma personalidade mais careta e mais fechada, mas nem por isso desprovida de sentimentos. A irmã descolada é gente boa, mas também tem aquele preconceito enraizado contra a irmã chata. Toda vez que a irmã chata abre a boca ela faz aquele comentário negativo e aquele olhar de tédio. Ela até tenta na boa vontade ou na completa hipocrisia, fomentar um laço familiar que nunca esteve lá, e que certamente quando os pais se forem, nunca mais se falarão.

É triste sim. É a vida. Mas não há culpa dos personagens, apenas a fatalidade que somos seres humanos, com nossos defeitos e incompatibilidades. Eu invejo quem tem uma relação de irmandade real como minha amiga tem com toda a família dela.

Mas na maioria dos casos, são relações frágeis, de puro “se aturar” enquanto os pais estão vivos. Tenho amigas cujas irmãs são de personalidade mesquinha, hipócrita e alguns casos extremos, realmente negativas e de mau caráter. Elas optaram por romper os laços, para o bem delas. Não as culpo.

Outros casos, menos graves, e a maioria devo dizer, não existe uma empatia entre primos, irmãos e tios. Há um convívio educado, um respeito mútuo, mas não um laço eterno. O conceito de família aqui é muito subliminar, definido apenas por papéis e no caso de uma eventual morte precoce, a justiça determina-os como família e detentora de seus bens.

 

Acho que esse laço, se é benéfico para ambas as partes, deveria ser cultivado. Em viagens, em encontros mensais, em confidências e decisões familiares. Se ele não é criado, não tem porque ser forçado. Infelismente, em viagens nos damos conta que mesmo com toda a torcida dos pais para fomentar uma continuidade de relações, o laço não se cria. Pelo contrário, fica-se muito claro que há uma distância enorme entre eles.  Não são eles os culpados, e nem eu, infelizmente não há uma compatibilidade entre nós.

Sim, acho uma pena. A amizade entre família, quando é genuína, é a forma mais pura de humanidade que podemos experimentar. Mas se não existe, você tem que procura-la em outras pessoas ao longo da sua vida.

Aos 40, eu me conformei que ninguém, nem mesmo sua família é obrigado a te amar e a ter laços fortes de companheirismo e irmandade. E se você não encontra esses laços na sua família, há um mundo de pessoas que lhe espera lá fora.