Tenho um grupo de amigas que são internacionais (chique). Pelo destino, somos amigas parças e cada uma com sua peculiaridade. Todas moram no Brasil.
Outro dia, começamos um bate papo (virtual)sobre o suposto cancelamento da marca Dolce Gabbana.
De um lado, nossa amiga italiana já foi defender os estilistas, afinal como reza o clichê, o italiano é todo orgulhoso de si.
Deoutro, minha amiga que é nipônica como eu, criticou os estilistas pelas palavras ferinas deles e disse que o cancelamento foi talvez merecido.
A tal polêmica se deu por 2 fatos: um eles comentaram abertamente que a cantora Selena Gomez estava “horrorosa” em dada ocasião, e em outra, bem pior, citaram que jamais entregariam a sucessão de estilo de sua marca a um estilista japonês, reacendendo pitadas racistas.
Bem, vamos lá: o que é mimimi e o que é militância digna?
Se fosse por um incidente isolado, eu diria que seria mimimi. Vou deixar de fora esse comentário da Selena porque honestamente não fui a fundo na história.
A marca Dolce Gabbana é conhecida por celebrar a feminilidade e a opulência da mulher, com raízes claramente italianas, como dos donos. São características da marca as estampas super coloridas, os corseletes que definem as curvas femininas. Gisele Bundchen, a nossa ubermodel brasileira, foi alçada à fama graças aos seus padrinhos, como ela diz. Enquanto nos anos 90 prevalecia a moda das modelos belgas andróginas e retas, a marca apostou forte nas curvas de Gisele antes mesmo dela ser uma modelo conhecida.
O design japonês e principalmente seus estilistas de moda são conhecidos pelos modelos mais andróginos, retos e austeros. Kenzo, Yohji Yamamoto, Comme des Garçons (Rei Kawakubo), e a marca de fast Fashion Uniqlo são exemplos fortes.
Se fosse apenas pelo contexto prático, Dolce Gabbana não estão falando nenhuma aberração ou comentário racista. Eles apenas querem manter o legado de sua marca fiel às suas origens e propostas de moda.
Mas o buraco é mais embaixo, não é?
Eu já fui diversas vezes para a Italia. Adoro esse país. Adoro a comida (acho que é a minha preferida de todas), acho que eles têm um senso fashion super apurado, e é um dos países mais lindos do mundo. E tenho vários amigos de descendência italiana e amo eles.
Contudo, não passo o pincel para as pessoas de lá de modo geral. Não me aborrecem a modo de não voltar nunca mais para lá, mas já presenciei e fui alvo de algumas situações bem desagradáveis e racistas em relação a minha cara de nipônica.
Como falo italiano, ouvi claramente de alguns adolescentes atrás de mim na fila do sorvete comentando se eu era chinesa ou japonesa e para eles era tudo a mesma merda (de verdade, ouvi isso). Em uma feira italiana de negócios para construção civil, meu irmão foi alvo de chacota pelas costas de italianos que achavam que ele era chinês sem saber que ele era um dos maiores clientes brasileiros da firma deles e falava um italiano impecável.
Enfim, os italianos não são definitivamente nenhum exemplo de cortesia e respeito a outras raças. Já ouvi comentários sobre negros, brasileiros e afins.
Esse desconforto nunca senti na Alemanha, nos países Nordicos, no Canadá, na Austrália. Se eles falaram mal de mim, foram discretos e na dele, e nunca soube. E sempre fui maravilhosamente bem tratada lá.
Os italianos fervorosos vão dizer que pelo menos eles não são hipócritas e falam na cara. Não vejo isso como qualidade. Todo mundo tem seu direito de achar o acha, mas deixar o outro desconfortável em lugar público apenas pela cor de sua pele e pelos traços de seus olhos, isso não é defensável jamais.
E dado o atual momento que estamos vivendo, com vários casos de racismo contra os asiáticos devido ao Covid-19, as palavras têm que sim ser medidas.
Se eles são uma marca super famosa e reconhecida no mundo, eles têm que tomar cuidado sim com o que dizem, mesmo que não tenham tido origem racista.
Porquê? Porque existem inúmeras pessoas terríveis, que usam fatos aleatórios para externar um ódio irracional e estúpido, vindo de suas próprias fraquezas e frustrações.
Só assim para entender porque uma mulher atacou uma asiática que estava sentada no metrô em Nova York, na dela, sem fazer mal a ninguém. Só assim para entender porque uma amiga minha recebeu um copo de cerveja na cara de um homem porque “havia trazido o maldito vírus”.
Deveríamos matar os espanhóis pela gripe que dizimou boa parte da população no século anterior, deveria nós brasileiros atear fogo nas pessoas que vieram dos voos internacionais de Milão e trouxeram os primeiros vírus para o país?
A assessoria de imprensa de Dolce Gabbana poderiam ter dito a mesma coisa de uma forma diferente: “nós prezamos o DNA de nossa marca e nosso legado será continuado por um estilista que preze este DNA”. Se eles quisessem, poderiam até falar que fosse Italiano.
Enaltecer sua origem e seu país não é desmerecer o outro. Ponto.
Quanto ao mimimi: quando você tolera comentários com duplo sentido, você dá margem aos extremistas de expressarem seu ódio. Vindo de um país que não é lá dos mais amigáveis com turistas e estrangeiros, o contexto muda.
Minha conclusão: melhor ter mimimi do que ficar no meio do caminho. Tem coisas que a nossa geração falhou muito (eu posso dizer isso porque presenciei vários casos de racismo na minha escola) e cabe darmos valor às novas gerações para corrigir isso.