Sempre quando as pessoas sabem que eu vou viajar sozinha, seja para um destino no Brasil ou fora, elas ficam surpresas e exclamam: “Nossa, como você é corajosa! Quem diria”

Sabe que eu sempre tomei isso como um elogio. Para o meu biotipo de japonesa pequena, miudinha, que parece mais o estereotipo da Charlotte do que a Samantha de Sex and the City, era uma quebra de regras, uma surpresa para as pessoas.

Imagina a japinha de malinha a bordo, conquistando o mundo. Bem, um clichê glamouroso, na verdade minhas viagens na pandemia são de carro para alguma praia do litoral Paulista.

E eu sou daquelas que vê mais o bem do que o mal nas pessoas. Nunca tomei isso como preconceito e sim como apoio, como a vontade alheia de fazer isso e não ter coragem.

Mas hoje, depois de tantos anos passados dos meus quarentanos, e em especial de 2 anos pra cá especialmente doloridos e vendo tanta gente boa partir do nada, eu falaria diferente para essas pessoas.

Corajosa eu de viajar sozinha?

Talvez a melhor palavra seja “Abençoada”.  Abençoada por poder viajar sozinha. Abençoada por ter saúde, disposição financeira e emocional, coração aberto para o que der e vier, e segurança de você mesma se bancar em situações sozinha.

Abençoada por considerar que a minha presença sozinha me basta, e que julgamentos ocasionais de desconhecidos ou até de conhecidos são desprezados e ignorados, afinal eles têm problema em me ver viajando sozinha, e  não eu.

Corajosa acho um termo pica, fantástico. Corajosa pra mim é outra coisa. Corajosa é ser mãe (ou pai) solteiro, é adotar uma criança livre de seus preconceitos e individualismos, é criar uma chácara cheia de cachorros e gatos de rua, é dirigir uma ONG sem a certeza de ganhar um centavo por seu árduo trabalho, ou mesmo ter que tocar uma empresa pensando em várias famílias de funcionários que dependem da sobrevivência dela, é vencer um preconceito enorme de raça, origem, pobreza, violência e mostrar ao mundo que você está acima deles.

Conheço uma porção de amigas corajosas. Destas que a vida lhe pregou uma peça, ou não nasceram em berço de ouros e ela encaram e vai assim mesmo. Lindas e corajosas.

Por isso, sem desmerecer um milímetro das mulheres que viajam sozinha, corajosa é uma coisa. Viajar sozinha é outra. Tão nobre quanto, mas diferente.

Agora mesmo, estou fazendo minha mala (na verdade, é uma mochila) para passar uma semaninha na Bahia, em comemoração de meu aniversário. Colocando as carcinhas , os creme tudo.

Aos 30 anos, eu faria a mala diferente, muito maior, com looks mil, para não repetir a roupa. Hoje, estou fazendo a mala que consigo carregar sem destruir as minhas costas, com roupa a repetir e vai assim mesmo.

Para mim? Não é coragem, é a beleza que a vida me proporciona.

Digo para as mulheres que estão ensaiando seus primeiros passos a viajarem sozinha: no início é preciso uma dose de coragem. Sim, porque o desconhecido apavora. Depois que você descobre, você se indaga porque não começou a fazer isso antes.

Rola um medo da solidão. De tédio. De acontecer algo errado e você estar sozinha. E daí você vê que sua companhia sola é maravilhosa e você se basta. E mesmo se o perrengue e o errado acontecer, você contorna. Sozinha e empoderada.

Depois da primeira, da segunda viagem, viajar sozinha não é ser corajosa. É ser abençoada mesmo. Principalmente por amar sua própria companhia (e olhe que não é fácil).

Na pandemia, descobri muitas coisas. Entre momentos muito difíceis que tive, como os sustos de saúde de meu pai, confinamentos, mortes de pessoas queridas, a pessoa com quem eu podia contar 24 horas por dia era eu mesma. Sem desmerecer meus queridos pais, amigos próximos (e olha que eu tenho um bocado deles), mas quando o bicho pega, quem segura a barra é você.

Então é bom que sejamos uma boa companhia para nós mesmos, né?

A última vez que passei meu aniversário sozinha foi há 15 anos atrás , numa viagem à Europa, e foi incrível , libertador, empoderador.

Nas últimas vezes, sempre planejava de viajar sozinha, e acabava sempre uma amiga indo junto. Faz parte, e é uma maravilha também.

Dessa vez, só eu e eu mesma. Tô com uma mochilinha a tiracolo para 7 dias (nada de looks no Instagram, meninas)  e sem  translados pré definidos. Vou para o próximo lugar no horário que quiser. Se perder o bus da manhã, paciência. Tenho reserva para o desconhecido.

Se quiser só comer de noite, ok. Ou só fazer um almojanta, estou por conta própria. Bem, pelo que eu me conheço, vou comer o dia inteiro, pequenas refeições. Minha viagem, só minha. Minhas regras.

Só vai ser praia, sol, mar, coco gelado e ar fresco. E talvez algumas caipirinhas de cacau com biribiri, porque estarei na Bahia, não é mesmo?

Como disse, viajar sozinha não é coragem. Nem é sorte.

Não é sorte porque se você se esforçar e sair de sua zona de conforto, você vai. Nem que seja para o interior, num final de semana com a natureza. E coragem, como disse, é diferente. Viajar sozinha está longe de ser um perrengue e a única opção que a vida te deu. Porque você pode ficar em casa assistindo Netflix .

Eu farei um texto sobre como viajar sozinha, seus perrengues e delicias em outra crônica, mas quero deixar aqui meu spoiler para vocês:  Vale a pena. Demais. De montão.  Viajem sozinhas, mulherada.

PS: no final, no meio da minha viagem que já estava mara, uma grande amiga resolveu se juntar a mim na etapa Boipeba – Morro de São Paulo.  Não neguei, mudei o curso da minha viagem porque ela é amiga do coração e uma companhia divertidíssima e agradabilíssima de viagem. E ama animais que nem eu. De jeito nenhum abriria minha liberdade por pouca coisa e economia em hotéis. É porque é amiga grande que agrega sempre. Se fosse sozinha, a viagem seria mara. De outro jeito. Acabou sendo mara com amiga. Coisas da vida.