
Este fim de semana, enfrentei uma fila de quase duas horas para almoçar num restaurante chinês com meus pais.
Enquanto esperava, um senhor de idade avançada chegou e fez um pedido para retirada.
Eu e minha mãe que estávamos sentadas na mesma cadeira (eu posso estar acima do peso, mas mamãe não) oferecemos o nosso lugar para ele, que gentilmente recusou.
Era um senhor de idade mesmo: muitas rugas, cabelos bem branquinhos (inclusive os do nariz), mas todo arrumado, de camisa social, cinto e calça jeans.
E começou a puxar prosa conosco.
Deixa eu fazer um parênteses: nas minhas décadas de 20 ou 30, provavelmente eu acharia patético e iria debochar do velhinho mais tarde com amigas. Ou, como estamos num mundo cruel e no Brasil, apesar de um país maravilhoso, tem lá suas pessoas golpistas, eu ficaria de olho na minha bolsa e atenta. Foi dando corda para pessoas de prosa que muitos conhecidos meus caíram em golpe, então não estou falando com preconceito ao meu país querido.
O senhor tinha 86 anos.86 anos, com uma fala melhor que a minha. Ele adorava o Japão, e contou que em uma viagem que ele fez, se juntou com primos nipônicos que não conhecia, riram, conversavam, fez truques de mágica e ganhou 2 garrafas de saquê. Detalhe que nem os primos nipônicos falavam inglês nem o senhor falava japonês . Como digo: o álcool une. Tava todos os primos embriagados.
Falei que o senhor fazia mágicas. Ele prontamente tirou dos bolsos da jaqueta e da calça uma palheta, uma porção de cartas, e um conjunto de argolas e começou a fazer as tais mágicas para nós (admito que nesse tempo eu fiquei de olho na minha bolsa e da de minha mãe. Culpa de assaltos sofridos em 2018 gente).
Claro que as mãos não estavam tão habilidosas, e dava para ver o risco das fendas das argolas, mas o senhor conseguiu nos entreter.
Passado isso, o pedido dele ficou pronto, a nossa mesa também, ele se despediu com um sorriso gostoso, e qualquer dia nos víamos por ai.
Não sei se foi o efeito da pandemia, de tantos meses e anos de confinamento, mas que gostoso ter um encontro inesperado desses.
Um desconhecido , com uma idade avançada, que ainda é uma criança. E creio eu, que é por isso que ele ainda tem o discurso tão afiado.
Ele ainda faz parte de uma associação de mágicos no Brasil. E se arruma para pegar uma comida de delivery, coloca um cinto, uma jaqueta bacana, todo perfumado.
Ele disse que depois de encontrar com algumas nipônicas tão bacanas e gentis ele iria para casa e rever o álbum de fotos de sua viagem ao Japão.
E eu fiquei depois me lembrando de conhecidas minhas que possuem beleza, juventude, sucesso profissional e agindo como se a vida fosse uma merda. Só pessoas acabadas por aí, só boys lixo, só praia com chuva, só azar na vida delas.
Ficam meia hora nos lugares, acham tudo acabado, brega, gente feia e desinteressante e vão para casa assistir NetFlix. Ok isso se faz feliz. Mas creio que não.
Eu sempre digo que você faz com a sua vida o que você quer. Você decide ser feliz ou infeliz e para isso, é a sua atitude. Ser uma criança lamuriante de 30 anos ou um senhor legal de 86.
A gente costuma fazer piada com as tias ou tios que pegam as pessoas alheias e desconhecidas para conversar ,para contar de sua vida.
Isso para mim é sabedoria de quem viveu muito e não sabe o dia de amanhã (aliás nem nós sabemos) mais do que carência. Carencia temos nós, que ainda não vivemos. E escondemos nossa carência em noites vazias de Netflix e deboche alheio das pessoas que já não tem amarras sociais ou vergonha de demonstrarem sua humanidade.
Tem uma senhora no meu prédio, de 94 anos e sobrevivente de 3 cânceres, que me ligou outro dia e cantou parabéns para mim (me lembrou de meu aniversario coisa que nem meu sobrinho e nem amigos próximos lembraram).
Eu adorei. Ficamos batendo um bom papo por telefone, rimos, ela falou um pouco da vida dela com essa pandemia toda.
O pessoal de 86, 94, 101 já têm ciência que estão no lucro, que cada dia é veramente uma bênção e um desafio às estatísticas de longevidade.
Então cada encontro é uma oportunidade de conhecer o outro e de se expressar, de contar sua vida. E sempre com muita ternura no olhar, na fala, com muito acolhimento.
Garanto que é isso que os mantém ativos, lúcidos até os 100, 120.
Quantas vezes a gente não se vê numa lanchonete, num lugar de trabalho, numa viagem e nos deparamos com pessoas bacanas, alto astral, coisas em comum, e na maioria das vezes, só trocamos contatos (antes era telefone, agora só perfil de rede social) e nunca mais nos falamos? Porque temos a falsa sensação que ainda vamos encontrar muitas pessoas pela frente, e que é mal visto como carência tentar um contato mais firme, um segundo encontro?
Aos 45, eu vejo a sabedoria dessas pessoas. Que eu possa replicar a todos vocês. Cara emburrada atrai energia negativa e devoluções. Uma mágica de graça não faz mal a ninguém, só lembra que o mundo é magico. E que uma prosa demorada só traz possibilidades boas.