Este post foi muito difícil de ser escrito, pela dor e pelo respeito que quero prestar a estas pessoas.
Não tenho um círculo enorme de conhecidos. Tenho poucos e bons amigos e minha família não é numerosa.
Contudo, presenciei nos últimos 10 anos a perda de alguns conhecidos por suicídio. E não foi um apenas.
Um parente próximo.
Dois amigos que estudaram comigo no Ensino Médio. Vindos de uma escola particular e das mais prestigiosas de São Paulo.
Todos eles em seus 30 e 40 e poucos anos.
Cada um com sua história.
Dois com famílias amorosas (mas que perderam entes queridos recentemente) e um com histórico familiar conturbado. Pai ausente, mãe abusiva.
Todos me doem demais o coração. É algo que evito conversar com meus amigos, mas abro aqui pela primeira vez.
O primeiro era meu colega de colegial. Aluno brilhante, mestiço, um crânio. Enquanto eu lutava para sair do vermelho em trigonometria, ele nem precisava pegar os livros para tirar notas altas em matérias de exatas, humanas e biológicas. Família do mal: o pai saiu de casa quando ele era pequeno e a mãe tinha problemas de esquizofrenia e o maltratava.
Era uma boa alma, mas já atormentada desde adolescente. Dei carona para ele várias vezes e ele era além de inteligente, sensível e um tanto sarcástico para a idade dele, dado a carga emocional precoce. Ele não era bullyado no nosso colégio, porque mesmo tendo uma aparência esquisita (bem eu também era esquisita) ele era invejado por seu boletim.
Soube depois que ele passou sem cursinho em 2 cursos na USP super concorridos. Anos mais tarde, soube que ele tirou a vida. Saiu das universidades sem completar, estava vivendo como michê, teve complicações de doenças venéreas, tinha assumido sua homossexualidade.
Até aí, nada desses itens indica porque ele tirou sua vida. Um outro colega nosso, que inclusive sofria bullying diariamente (era os anos 90, e ele era preto, gordo e afeminado), assumiu ser gay, e hoje está feliz e realizado. Lembro que há alguns anos atrás, estávamos eu e minhas amigas num cinema da Paulista, e o encontramos. Estava irreconhecível. Lindo, saudável, e ainda com um bofe maravilhoso a tiracolo (nem eu nem minhas amigas em vida ainda pegamos um boy assim). Vou falar dele em um outro post, mas é dessas pessoas que nos faz acreditar no poder da adoção. Ele, menino preto, adotado por um casal branco bem mais velho. Ele era tão amado em casa, que o bullying (leve, mas tinha)causado pelos colegas era algo irrisório, passou e não machucou. Desde cedo, ele era uma criança doce, talvez ingênua, mas só de amor para o mundo. Pelo pouco contato que tive com ele, sei que os pais se dedicavam muito para criá-lo.
Outra colega minha, dessa mesma escola, tirou a sua vida há alguns dias atrás. Dessas coisas que a vida não explica.
Moça loira, simpática , bonita, inteligente e super bem relacionada. O Facebook dela tem pelo menos o dobro de contatos do meu. Ela sentava do meu lado no primeiro ano de colegial, e lembro que ela já fazia amizades muito fácil, as pessoas gostavam dela.
Eu mesmo fiquei amiga dela, conheci sua casa, seus pais, seus cachorrinhos. No segundo ano, acabei me aproximando mais da gang de japas e nos afastamos mas sempre tivemos muito carinho um pela outra.
Ela estava bem ocupada: tinha sempre boys a procura dela, e muitos amigos, de não dar conta.
Não era aquela pessoa fervilhante de alegria, mas sabe aquela pessoa gente fina, que em poucos minutos de papo você sente que pode se abrir com ela? Ela era assim.
Há uns 4 anos atrás, nos esbarramos quase em frente de casa, ela estava trabalhando num escritório la perto. Me reconheceu (eu não a reconheci, estava muito bonita) me deu um abraço, ficamos de marcar com as meninas.
Há alguns dias, recebi a mensagem no Facebook dela que o velório dela tinha sido agendado para fevereiro. Uma piada terrível de algum hacker talvez? Lendo os inúmeros comentários, vi que o pior tinha se confirmado: ela não estava mais entre nós e o motivo, obscuro demais para ser divulgado explicitado.
Centenas de pessoas, incrédulas como eu, se questionando como uma mulher bonita, saudável, bem relacionada e bem sucedida dá fim a própria vida e como diz os mais velhos, na flor da idade.
Não tive coragem de ir na missa de sétimo dia, mas olhei o perfil dela. O pai e irmão, figuras mais presentes na vida dela, se foram há alguns anos, e provavelmente sua fiel escudeira, uma cachorrinha maravilhosa. Muitos comentários de pessoas que ela ajudou, que a consideravam, mas talvez não tinham tanta intimidade para saber o que se passava com ela.
O suicídio é daqueles assuntos que tentamos evitar a todo custo, porque marginaliza a pessoa que o executou, e nos deixa com nossos fantasmas: será que um dia podemos ser acometidos por isso?
Eu amo minha vida e amo viver. Amo pequenas e grandes coisas. E será que um dia posso passar por isso? Com a perda de pessoas queridas, com eventos terríveis que podem acontecer, ou apenas acordar um dia e decidir que é isso e ponto final?
Gostaria muito de ter tido uma última palavra com eles. Um alento, uma explicação, uma luz. Penso neles bastante e as pessoas que tinham mais contato pensam mais ainda. Que vocês estejam bem de onde estiverem. Paz no seu coração.