Uma de minhas grandes amigas me mandou um vídeo reels de um tal de Jordan Peterson. O vídeo está em inglês, mas nele, Peterson, diz (melhor, proclama, do fundo de seus pulmões) que a pergunta “porque ter filhos” é estupida, já que é uma das maiores dádivas do ser humano . Para dar embasamento ao tema, ele diz que ao gerar um filho, será o relacionamento mais íntimo que você terá em sua vida, já que a vida humana é feita em sua maioria de relacionamento. Além disso, ele diz que se você não tem filhos, “sobra para você” se destacar absurdamente em alguma área ou ser extremamente talentoso, o que é para pouquíssimas pessoas.

Fiquei a principio confusa, e refleti bastante. Preferi apenas a título de carinho e consideração (porque já estamos no Natal e no Natal não brigamos) marcar um coração na mensagem, até porque ela me enviou de amiga de verdade. Não  temos competitividade entre nós e creio que tenho uma fraternidade quase de irmãs entre nós. Eu quero o melhor para ela e tenho certeza que a recíproca é verdadeiríssima.

Mas realmente somos muito diferentes (e está aí a beleza do ser humano , não é mesmo?). Até ela se tornar mãe, eu não tenho um termo melhor em português para descrevê-la, mas ela era restless. Não estava satisfeita. As noitadas já a irritavam, as relações temporárias a frustravam. Ela estava a procura de algo firme, duradouro. Sem forçar a barra para ser mãe, ela sempre considerou o caminho natural para a mulher.

E creio que o universo conspirou para minha grande amiga se tornar mãe aos 40 anos quase, com muita saúde e um filho maravilhoso. E sim, apesar de não romantizar a maternidade, vejo que ela é gloriosa e faz todo o sentido de grandiosidade para minha amiga.

Com isso, compreendo que ela quer passar a mensagem para suas amigas próximas, do que ela experencia.

Há tempos que deixei de passar raiva ou achar que era alguma jogada de ego ou superioridade, acredito hoje que é algo do coração e que ela gostaria que eu estivesse tão completa como ela se sente.

Valeu amiga, pode continuar tentando.

Mas hoje eu, sozinha aqui no meu minúsculo apartamento  na Zona Oeste, no silêncio de uma manhã (nem tão manhã) de domingo, tomando meu café gelado e comendo as sobras de pastel de ontem, me sinto plena e escrevendo esta crônica. De verdade. Não preciso postar no direct dela, porque sei que ela sabe. E também não quero dar a impressão de devolutiva da gentil mensagem dela.

Eu particularmente discordo do discurso desse tal Jordan Peterson. Aliás, por coincidência recebi no meu feed do Instagram  outras entrevistas com ele, e achei de um machismo arcaico horrível.  Um cara que tenta ganhar o painel de conversa pelo discurto autoritário e agressivo, e para mim isso já é um indicativo da fragilidade do que ele mesmo quer defender. Se você precisa usar a força da coação, há algo errado aí.

Não concordo que todo ser humano tem que se preocupar em fazer algo grandioso na vida, como se fosse algo inerente a nós. Eu concordo que gerar um filho, DESDE que ele seja criado legitimamente com todo o carinho e cuidado que um filho merece, é um milagre da humanidade e um legado grandioso.

Mas se você por n motivos não tiver filhos,você homem ou você mulher, quer dizer que se você não fundar uma Apple ou Microsoft ou descobrir a cura do câncer, sua vida será indigna e desperdiçada?

Serei considerada uma pessoa preguiçosa, “que deixou a vida passar “, “que passou pela terra e nem deu falta nem valeu a pena?”

Não sou religiosa ao extremo nem pratico uma em particular. Mas gosto de todas, e creio em um Deus, uma força maior que nos rege.

Creio que cada ser humano que nasceu é um milagre, e veio nessa vida para fazer o seu papel. Tem gente do mal. Tem gente do bem. Tem gente que fará coisas grandiosas, que mudará o curso da humanidade para melhor ou pior.

Tem gente que terá filhos. Tem gente que não terá filhos, mas terá uma vida digna, plena e acima de tudo, ética e divertida. Não é o bastante?

Eu vejo tanta barbaridade nesse mundo, de mulheres que procriam para segurar um macho traficante, bandido da pior espécie, e que deixam seus filhos à mercê neste mundo. Moro em São Paulo, Brasil, e o que vejo de moleques de 12, 14 anos com revólveres em punho atirando em idosos, grávidas e jovens que nem reagiram não é algo desse mundo.

Então elas tem uma vida que vale mais que a sua, que é mais digna de sua existência?

Creio que se você veio ao mundo para se divertir, não feriu e não matou ninguém, deixou pessoas felizes ao seu redor, sua família, seus amigos, alguns amores, vários animais, contribuiu para que algumas pessoas estudassem, saírem de sua miséria, adotou cãezinhos, isso é uma vida menos digna do que uma  pessoa que gerou um filho sem cuidar dele?

Desculpe minha amiga e os Jordans Petersons da vida, mas essa audiência você não terá de mim. Quiçá de outras mulheres e homens, que desprovidos de culpas injustas e arcaicas, serão donos de sua vida com muita dignidade e porque não, muito aproveitamento e momentos felizes.

Eu mesminha, fui viajar com um casal de amigos este findi de semana que não tem filhos também, e desfrutamos a vida plena. Altos bate papos com gente do bem, celebramos a natureza, a conversa com seres especiais e desconhecidos, o talento musical do ser humano no Bourbon Street Festival. Vida que é amplamente vivida e celebrada.