as carrancas eram utilizadas nas proas das embarcações que percorriam o rio São Francisco, pois os navegadores acreditavam que esta figura ajudava a afastar os maus espíritos e protegia a tripulação do ataque de monstros do rio

Para o pessoal mais de 40 que está vendo a imagem acima, vai se identificar com essas estátuas que são vendidas em Embu das Artes, em SP. Sabe aquela feirinha que a mãe nos obrigava a ir com ela? Essa mesmo. Ela comprava várias e colocava na porta de casa.

Hoje eu entendo. Maturidade. Até tô pensando em ir a Embu comprar uma para mim.

Nesses últimos meses, passei por um turbilhão de emoções, que viraram minha vida de cabeça pra baixo.

E aos 40 e tanto da vida eu admito: tenho medo do mau olhado alheio.

Até agora, de verdade, nunca tive medo. Nunca liguei para eventual inveja de conhecidos.

Sim, eu sou uma pessoa poliana, e apesar dos anos no ramo de comércio ter me colocado uma carapuça de desconfiança, eu ainda acredito nas pessoas até que elas me provem o contrário.

Meu pai há 2 anos atrás soltou a pérola: “Demorei  80 anos para acreditar que a inveja alheia é forte e tem mau olhado sim”. Agora eu tomo cuidado. Sábio papai.

Logicamente, as redes sociais ajudam. Para nós antigamente, quarentões e quarentonas, a única forma de pessoas alheias, sejam amigos ou inimigos saberem de nossas andanças, sucessos, fracassos, viagens, namoros e filhos num passado nem tão distante,  era pelo telefone sem fio. Pela fofoca de conhecidos. No máximo, uma coluna social na Revista Caras (foi o máximo!) ou no jornal da cidade.

Eu hoje acredito piamente nesse maldito mau olhado. É só postar que estou num lugar bacana: vem zica na certa. Chuva. Frio. Roubo. E o pior: é instantâneo. Vem em minutos.

Mas o mau olhado que vou abordar aqui é algo pior , mais perverso e olhe só: é muito sutil.

Não precisa de algum feito incrível, como uma viagem às Maldivas ou o ganho na MegaSena.

E veja bem:  são de pessoas até próximas a você. Elas até querem o seu bem. Mas alguma vibe aí não vai bem.

Enquanto meu pai batalhava no hospital contra a pior doença da humanidade, que é o câncer, tive palavras amigas. Mas também tive muita gente curiosa, tentando me telefonar, tentando me visitar. Se era para realmente me confortar? Tenho minhas dúvidas.

Tive mesmo o sentimento que essas pessoas queriam ver a minha desgraça, a minha tristeza, o meu desespero em ver meu pai naquele estado e sem um futuro saudável.

Como vou explicar isso? Não é que eles iam rir da minha cara, ou ficar gargalhando em silêncio.

O câncer é implacável. Se a pessoa vem com palavras de esperança, é mentira. O que resta é a verdade, e depois no final a cara de cú simplesmente. “Que pena”. “que triste” foi o que mais li.

Poucas vezes cedi à insistência da pessoa em me encontrar, e de eu abrir o que estava acontecendo. Para no final ouvir um “que merda heim”, “é foda”, “você vai sofrer muito ainda”.  Arrependimento total.

Antes não tivesse cedido ao convite dessas pessoas. E depois em diante, fiz o que achei melhor para mim. Ignorei os próximos convites carapuçados de “apoio moral”.

Todos nós temos um diabinho na mente que é de compararmos nossa vida com outros. Nossos amigos principalmente. A inveja que tenho da beleza da Gisele Bundchen não vai provavelmente afetá-la, pois estamos muito longe, e no fundo, é muito superficial esse sentimento.

Agora, quando é nosso amigo, nosso colega de trabalho, nossa prima, estamos mais perto.

Todos nós temos esse diabinho. Porque paramos no trânsito para ver um carro pegando fogo, para ver o acidente de carro , para ir atrás das causas de um vizinho que se jogou do andar? Experimentem ser roubados. Publique no seu Facebook. Você irá receber directs e ligações de amigos que não lhe contatavam há anos. Para saber o que roubaram, como roubaram.

Nâo, não é informação de utilidade pública. É para termos um crédito positivo conosco. A fulana foi assaltada, mas eu não. A fulana tomou um pé do namorado, eu não. O fulano foi demitido, eu não. É um alivio para nós. É uma afirmação do universo que o mundo está sendo melhor para nós do que a coitada da amiga, que está com o pai doente. Muito doente. Cada vez pior.

Enquanto eu estava vivendo o momento mais difícil de minha vida, que era acompanhar o calvário de meu pai contra a doença e o infeliz final, uma morte prematura muito provável por erros seguidos do hospital Albert Einstein (falarei deles no futuro), eu ainda tinha que me blindar sobre os que vou chamar de Abutres: pessoas que ficam espreitando a tragédia alheia para alimentar sua sede, e sua baixa estima.

E infelizmente, devo dizer que esses abutres não são o clichê de pessoas que querem o seu mal. Não é aquela motorista que você xingou no trânsito, não é aquela assistente que você teve que demitir , não é a moça que esta de olho no seu crush.

São pessoas que te conhecem. Podem ser de sua família, até muito próxima. Pode ser amigos de longa data até, daqueles que iriam te ajudar se você pedisse.

E olha só: vem até de pessoas que em tese não tem nada a reclamar. Bonitas, em um relacionamento estável, com carreira. Enfim. Ganância e Inveja não tem status social nem CEP.

Eu sempre fui dessas pessoas muito certinhas que não deixava ninguém no vácuo. Clientes, amigos, conhecidos, eu sempre dei respostas , explicações, de preferência nunca negativas. Chegou minha vez de dizer vários nãos, e fechar algumas portas. Ou pelo menos uns meses de geladeira. Falarei disso em outro post.

Minha dica? Agucem sua intuição. Se não sentiu uma energia boa, não hesite em esconder sua vida de pessoas, até próximas a você. Afinal, a vida é sua e de mais ninguém. Se proteja. Minha mãe adquiriu uma linda carranca de quase 30 quilos, uma estátua que afasta os maus espíritos e maus olhados (afasta as visitas também). Tô seriamente pensando em adquirir a minha. Enquanto isso, façam uma carranca mental bloqueando possíveis abutres em sua vida.