Faz tempo que eu não assistia um filme que me fez pensar e refletir. Aliás, fazia tempo que eu não assistia a nenhum filme e série.

Depois da morte de meu querido pai, fiquei num estado de zumbi por alguns meses. Ainda faz apenas 4 meses que ele se foi, e a vida nunca será tão bela e inocente como antes.

Num sábado chuvoso e frio, assisti “The Wonder”  – O milagre, na Netflix, com a Florence Pugh. Menino, fazia um tempo que eu não via um filme tão bom. Mesmo um pouco arrastado no início, se torna daqueles filmes que você não desgruda da tela nem um minuto, nem para olhar o celular nem para ir ao banheiro.

Vou falar brevemente da sinopse, até porque eu indico muito que vocês vejam este filme. Mas para entrar no contexto de um dos momentos mais importantes de minha vida, e como eu tenho que estar muito presente em minhas ações e decisões a partir de agora para que este momento seja algo realmente divisor de águas para mim, vou falar um pouco dele para contextualizar vocês.

O filme conta a história no século passado, de uma enfermeira inglesa que é convocada para ir até um vilarejo na Irlanda, país recém saído de uma fome catrastrófica que ceifou a vida de 1 milhão de pessoas. A tarefa dela é vigiar, em períodos alternados com uma freira, uma menina que não come há 4 meses e está saudável. Ela se tornou uma atração do local, com pessoas a declamando como um milagre e uma santa, principalmente depois do contexto da fome devastadora que tomou conta do país. A menina não come e não quer, e os pais a apoiam na decisão por ser um milagre e por ela estar bem de saúde.

Não vou contar o desfecho, para não atrapalhar a surpresa de quem vai ainda assistir, mas posso adiantar que a menina começa a definhar depois que a enfermeira passa a vigiá-la e toma medidas drásticas para desmascarar uma farsa que ela acha que é.

A personagem de Florence Pugh, a enfermeira, trabalhou na guerra da Criméia, e é uma pessoa boa. Racional, toma decisões baseadas em fatos. Independente, pró ativa. Porém, tem uma tristeza enorme nela vinda de um histórico de tragédias, que ela lida com uma vida regrada no piloto automático, e com uso de ópio.

Me identifiquei muito com a personagem. Eu me considero uma pessoa boa. Extremamente racional. Vejo até com um pouco de desdém o fanatismo político, ideológico, religioso. E no entando, tal como a personagem de Pugh  que no decorrer da trama percebe que nem tudo pode ser levado a ferro e fogo pela racionalidade (tanto para viver melhor como para ter soluções efetivas), eu percebi que a vida precisa sim, de religião, de lúdico.

Não esqueço jamais a passagem do filme que conta que “sem histórias, não somos nada”.

É verdade.

É o chamado storytelling, o pó de pirilimpimpim que só os humanos sabem dar às situações que vivemos, para fazer da vída o que ela é: única, preciosa e que vale a pena ser vivida.

Nos seus dias de hospital, pressentindo apesar de sua imensa vontade de viver que seriam os últimos de sua vida, meu pai me confidenciou que sentiu muito arrependimento de não ter uma religião naqueles momentos.

Ele optou por ser ateu. Ele buscou nos médicos e nos melhores hospitais e tecnologia e conhecimento humano (e dinheiro), a chance de cura que jamais veio. Na total racionalidade.

Dia após dia, após diagnósticos imprecisos, ganância do hospital Albert Einstein em recomendar procedimentos que nunca melhoraram a vida de meu pai, pelo contrário, só deterioram mais ainda sua saúde,  ele percebeu que os médicos ainda não são capazes de curar o câncer , pelo menos o dele, apesar de todos os checkups feitos rigorosamente, nem de prover uma enfermidade com mais alívio, pois ele sofreu muito até sua morte.

Restava o consolo de achar que estava sendo cuidado no melhor hospital do país, e de ter o apoio e presença incondicional de minha mãe, companheira há 51 anos, e de seus filhos e netos.

Faltou no entanto, o alento lúdico da religião (seja ela qual fosse) , o tal pó de pirilimpimpim, que alheio aos pensamentos racionais humanos, abraçaria meu pai na hora da morte com mais paz, conforto e carinho (quiçá promessas de 50 virgens no céu).

Nos meses que sucederam sua morte, estive muito inquieta. Com insônia, até um pouco de depressão, irritação extrema com pessoas mesmo as próximas a mim, eu experimentei pela primeira vez a dor de um luto forte.

A comida não tinha muito sabor, e tal como a personagem de Pugh, eu comia (muito) para sobreviver, de compulsão. As pessoas me irritavam. Eu não vi sentido muito em continuar a fazer coisas agora .

E daí vem uma das coisas mágicas da vida. A surpresa.

Tal como numa conjunção mágica, há uma semana atrás eu tinha sonhado com ele. Uma semana antes de ver este filme da Netflix, que eu não assistia há meses.

Um sonho muito longo, que tenho minhas dúvidas se foi totalmente involuntário, ou até forçado pelos meus pensamentos, de tão vívido que foi, e tão em detalhes.

Eu estava com meu pai em algum lugar, talvez do exterior, procurando um restaurante para comer uma comida bacana (algo que sempre fizemos em nossas viagens e irritava demais nossa mãezinha com a procura interminável pelo restaurante perfeito). Enquanto isso, nós dois de mãozinhas para trás , comentando sobre a vida, falando mal de algumas pessoas conhecidas.

E não é que mesmo em sonhos o danadinho ainda me deu conselhos preciosos?

Ah, tinha que ser mesmo ele. Minha mãe me confidenciou que foi graças a insistência de meu pai, eu nasci. Porque eu fui a caçula e minha mãe já estava esgotada fisicamente depois de ter dado a luz a 2 meninos, por cesária. Meu pai disse que ajudaria a cuidar.

Falei com ele sobre pessoas que considerava tóxicas e que talvez eu teria que descartar de minha vida. Pessoas que talvez só me procurava para aliviar uma dor delas, ou que se alimentavam de minha desgraça para alivio próprio, ou que vinham apenas chupinhar contatos de novas amizades ou apenas uma companhia para sair. Era só isso que eu significava para elas. Meu pai disse que se não estiver fazendo bem, se afaste temporariamente. Mas que não tomasse nenhuma atitude drástica, afinal, o tempo é soberano e só ele irá dizer se essas pessoas me querem bem de verdade, me aguentando mesmo quando não tenho paciência para sair ou para apenas me aguentar se for  a mesma amiga alegre que sempre fui. Afinal, estou num momento muito peculiar de minha vida agora. Estou irracional, irritada, chateada com pequenas coisas. Quem me ama terá que aturar, mesmo nessa fase.

Como ele disse, o tempo limpará o que não é essencial para você, e deixará quem é essencial.

Falei também sobre a raiva do hospital, dos médicos, de pessoas próximas a nós que só estão conosco pelo dinheiro, pelo que podemos prover financeiramente a elas. Meu pai, muito calmo, como ele quase nunca foi, me disse que assim é a vida, e assim é a luta dessas pessoas. É de minha escolha passar um tempo com elas, ou canalizar a minha energia e meu tempo para pessoas que valham a pena.  Que eu não perdesse muito tempo me irritando com elas, porque elas são assim e você é do jeito que você é.

Falamos de tudo, mas é tanta coisa, que prefiro deixar um tema para cada crônica aqui desde blog, posteriormente, porque ia render um livro.

E daí eu assisti o filme. E vi como é a força do ser humano, em superar tristezas, em crescer e se desenvolver, em fazer mais, mais , mais e melhor. E que tudo está em nossa mente. No nosso storytelling. Como enxergamos a verdade, os fatos e com nosso poder lúdico podemos transformar o que temos para nosso futuro e para as pessoas ao nosso redor.

O filme e o sonho com meu pai me fizeram tão bem esta semana, e escrevo aqui, e continuarei a escrever sobre eles nas próximas semanas, para que o efeito em mim (e quem sabe em quem ler) seja permanente.

Dou um spoiler aqui do quinto item: temos que ser presentes em nossas vidas, e sorver com muita atenção os momentos mágicos que nos são dados.

Um filme, e um sonho, pode ser apenas uma diversão ou um pesadelo por 2 horas, ou pode reverberar em atitudes e pensamentos para uma vida inteira.

Deixo abaixo alguns tópicos que abordarei nas próximas crônicas com mais detalhes, mas que me fizeram pensar de maneira ampla e completa sobre a vida.

  1. As pessoas são como elas são. Você pode tentar muda-las. Mas nada é mais forte do que as próprias pessoas. Dai: você vai continuar insistindo do jeito que sempre foi, ou vai fazer de forma diferente? A escolha é sua se quiser larga-las (e em alguns casos está tudo bem) ou abraça-las (e aí pode ser mágico, ou trágico, são as escolhas)
  • Os fatos racionais estão lá, e acontecem. Você escolhe como quer acolhê-los. Uma dica: geralmente a criatividade e o lúdico sempre dão um up inacreditável
  • Existe uma equação que é impossível de ser matematizada, ou explanada de forma racional: é o efeito das relações humanas. Meu pai levarei até a eternidade como meu pai, meu protetor. Nâo perca jamais isso, esse amor, mesmo que ele se foi daqui na terra.
  • Apesar das tragédias e perdas em sua vida, o chamado milagre da relação humana existe em cada esquina, podendo brotar a cada dia. Mas atenção: isso leva tempo. Um bofe magia de uma viagem será apenas um bofe magia de uma viagem. Uma amiga para sair será apenas uma companhia. Mas um amor para chamar de seu, uma amizade que atravessará décadas, uma mãe , será para a eternidade.  Não tenha medo de criar laços para sempre, apesar das tentativas que resultaram em muita dor (seja por uma separação dolorosa, ou pelo luto de perder alguém). O luto e a saudade é sempre o efeito colateral de um amor genuíno que um dia foi muito forte.
  • A beleza (e a assombração da vida) é que tudo é finito, e tudo pode mudar num piscar de olhos. Um diagnostico de uma doença fatal pode vir sempre. Os dias tristes podem ficar para trás em questão de dias, meses, com uma nova pessoa, ou porque você simplesmente mudou. Esteja presente, preste muita atenção em todos os momentos, mesmo os cotidianos e aparentemente chatos.

Aproveitem, saboreiem a vida, meus caros. Beijos no Coração.