Taí um assunto que realmente só comecei a pensar depois dos 40.

Quer dizer, depois da morte de meu pai.

Quando se perde um ente querido muito próximo e meu pai era parte de mim total, você se dá conta que a vida realmente  chega a um fim, e ele pode ser a qualquer dia.

Na cerimônia dele, muitas pessoas vieram. Dos familiares, as tias e suas famílias (meu pai tinha muitos irmãos), nossa família com meus sobrinhos, os familiares de minha mãe. Por fim, amigos próximos que choravam copiosamente por perder o grande companheiro e fanfarrão que era meu pai, e pessoas que trabalharam na empresa e graças a ele, conseguiram sustentar suas famílias.

Taí um legado de respeito. Meu pai não escreveu um livro e muito menos plantou uma árvore. Mas a sementinha dele está nos corações de muitas pessoas, que certamente irão passar para as próximas gerações de como eles conheceram um japonês engraçadíssimo, inteligentíssimo e visionário.

Me fez pensar muito sobre minhas escolhas, meu futuro e meu presente.

Quando se é uma quarenta solteira, sem filhos, qual será o legado fora da família, que seria o óbvio de todo mundo?

Tenho minha mãe. Meu querido irmão mais velho. Meu irmão do meio e a família dele, incluindo meus sobrinhos, pouco laço afetivo tem comigo (para não falar nulo).

Tenho meu grupo de amigos. Alguns que conheço há mais de 30 anos, outros recentes. Desses, certamente, alguns estariam na minha cerimônia.

Mas legado mesmo, de repassar para seus filhos e futuras gerações, não creio que seja ninguém.

O tal do legado. Esse é um assunto que jamais nos preocupamos nos nossos 20, 30 anos. Quem tem filhos sabe que o legado será de seus filhos e netos.

E hoje eu vejo mais do que uma soberba, mais do que um orgulho fútil de ser lembrado pelas próximas gerações.

É a marca que eu deixei no mundo. E digo sem medo de parecer pedante ou fútil: quero sim deixar meu rastro, e que futuras pessoas lembrem de mim ou do meu nome.

Quando se não tem uma família que seguirá um futuro de 60, 80 anos, como passar o seu legado?

E o que eu gostaria de ser lembrada?

Bem, gostaria de ser lembrada pelo meu nome. Adoro meu nome. Forte, como Monica e o sobrenome de meu querido pai . Que fui uma sansei (neta de japoneses). Gostaria que lembrassem de meu rosto . Principamente como ele está agora, talvez sem o viço da juventude, mas com os traços que eu aprendi a aceitar e gostar.

Gostaria de ser lembrada por algum feito. Alguma iniciativa que vai mudar a vida de algumas pessoas. Meu pai fundou uma empresa e fez muitas famílias , muitos admiradores e alguns invejosos. Mas restou o legado. Sim, o legado forte de quem comandou a empresa por muitos anos. De lá saíram empresários, diretores, gestores e alguns golpistas, porque a humanidade ainda é feita de seres humanos bons e ruins.

Gostaria de ser lembrada pelo que impactei na vida. Hoje eu sei que um simples conselho, mesmo que bem dado, se perde com os dias, que uma boa ação, se perca com o passar dos anos. Até grandes amizades que foram um dia, se perdem.

Após a morte de meu pai, estou muito reflexiva. Tenho evitado convites em demasia para sair, amizades novas forçadas e até antigas. E me dou conta que em vez de um legado forçado, melhor é uma vida bem vivida e legítima.